A Grande Mentira

Exibição:
09/08/1991 – 13/09/1991 (RTP 1)

Número de episódios:
06

Original de:
José Manuel Arrobas
Manuel Pinto Coelho

Argumento:
Manuel Arouca
Ana Rita Martinho

Direção de atores:
Tozé Martinho

Realização:
Victor Manuel

Produção:
Atlântida

Elenco:
Alda Pinto – Tia Nonô
António Aldeia – Barman
António Marques
António Rodrigues
Branco Alves – Diretor
Bruno Schiappa
Dário Santos
Filipa Madeira
Gonçalo Ferreira – Manel
Guida Maria – Teresa
Helena Laureano – Mafalda
Ilídio Moura
Isabel Ferreira
João Reis – Mané
Judite Jourdan
Julie Sergeant – Madalena
Luís Matta – Carlos
Luís Norton de Matos – Nuno
Manuel Castro e Silva – João
Maria João Lopes – Carla (namorada de João)
Mário Gomes – Matos
Nick
Paula Cruz – Amiga de Madalena
Philippe Marle – Pedro
Ricardo Carriço – Francisco
Rui Luís Brás – Miguel
Sofia Sá da Bandeira – Isabel
Susana Monteiro – Conceição (namorada de Francisco)

Miguel Sousa Santos (Rui Luís Brás) é um jovem toxicómano que tenta desistir por diversas vezes da droga, mas em vão. Mané (João Reis), o seu fornecedor, associado ao advogado João Ramos (Manuel Castro e Silva), consegue sempre aliciá-lo em momentos-chave.

Primeiro, Miguel rouba os pais, Teresa (Guida Maria) e Carlos (Luís Matta). Depois, acaba por praticar um furto num supermercado e é detido.

Entretanto, a irmã, Madalena (Julie Sergeant), descobre as atividades ilícitas de João Ramos, com quem mantinha até aí uma relação estreita. Fala do sucedido a Francisco (Ricardo Carriço), um amigo dela e do irmão, mas acaba por morrer atropelada, a mando de João Ramos, quando este suspeita que ela sabe toda a verdade a seu respeito. Francisco, então, desconfia de toda a trama.

Quando Miguel é posto em liberdade, com as melhores intenções de deixar a droga, é desde logo abordado por Mané, que não desiste até que ele volte ao “pó”.

Pensando poder ajudar Miguel, a sua namorada, Mafalda (Helena Laureano), acaba também por se tornar dependente da droga, vindo a ficar sem emprego. A pedido de Miguel, ambos entram para uma clínica de recuperação. Contudo, ao saírem, reencontram mais uma vez o seu dealer, e espera-os depois o mundo da prostituição, na procura desesperada de dinheiro.

Um dia, Mafalda surge morta com uma overdose. Miguel tenta ainda uma nova recuperação. Desta feita, com êxito. À saída, com a ajuda dos amigos fiéis e já desintoxicado, entrega Mané à Polícia, enquanto Francisco desmascara o advogado. Uma esperança efetiva sorri, finalmente, na vida de Miguel…

Miguel (Rui Luís Brás)
Era um jovem regular – entusiasta de surf, rodeado de amigos e com os hábitos normais de um rapaz da sua idade – até se tornar heroinómano. O vício leva-o a ter comportamentos agressivos com os que o rodeiam e a roubar para arranjar dinheiro. Fará tentativas de cura repetidas e infrutíferas.

Teresa (Guida Maria)
Mãe de Miguel, com quem sempre foi superprotetora. Não sabe como lidar com o problema do filho, o que, por vezes, a deixa em estado de desespero. Faz-lhe todas as vontades, mesmo quando desconfia de que ele não está a ir pelo melhor caminho. Quando sentir que pode perdê-lo, tomará uma atitude mais firme.

Carlos (Luís Matta)
Marido de Teresa. Desvaloriza o problema de Miguel, dedicando mais atenção ao trabalho e às aulas de natação do filho mais novo. Apesar disso, não hesitará em ajudar o filho a tratar o vício.

Madalena (Julie Sergeant)
Irmã de Miguel e melhor amiga de Isabel. Estudante de Direito. Considera que a mãe só dá atenção ao irmão e está cansada dos seus problemas. Chateia-se com a inércia dos pais. Irá estagiar no escritório de João Ramos, com quem cria alguma cumplicidade.

Nuno (Luís Norton de Matos)
Filho mais novo de Teresa e Carlos.

Isabel (Sofia Sá da Bandeira)
Namorada de Miguel. Embora ciente do seu problema, não consegue negar-lhe os empréstimos que ele vai pedindo, para comprar droga. Tentará, sem sucesso, acabar-lhe com o vício, o que culminará com o fim do relacionamento de ambos.

João Ramos (Manuel Castro e Silva)
Pai de Isabel. Administra a sociedade de importação e exportação que pertenceu ao seu tio e atua como advogado, embora as suas cédulas sejam falsas. Tem negócios ilícitos com um primo de Mané. Mostra-se atraído por Madalena.

Tia Nonô (Alda Pinto)
Tia de João. Senhora bondosa, viúva. Entregou ao sobrinho a gestão dos negócios da família. Cuida de Isabel como se de uma filha se tratasse.

Mané (João Reis)
Dealer que vende droga a Miguel. Frio, mercenário e impiedoso com os toxicodependentes que o procuram.

Mafalda (Helena Laureano)
Cantora no Fanatic, o bar frequentado pelos jovens. É amiga de Miguel, com quem, mais tarde, se envolve. Para lhe demonstrar os malefícios da droga, acaba, também ela, por se tornar consumidora de heroína. Com final infeliz…

Francisco (Ricardo Carriço)
É o melhor amigo de Miguel. Tenta, por diversas vezes, e sem desistir, desviá-lo do caminho da droga. Está a tirar o curso de Direito, mas vai ganhando uns trocados com aulas de musculação. É apaixonado por Isabel, embora não o declare.

Manel (Gonçalo Ferreira)
Pertence ao círculo de amigos de Miguel. Foi com ele que aprendeu a surfar e, em determinada ocasião, Miguel chegou mesmo a salvá-lo da morte.

Pedro (Philippe Marle)
Gerente do bar Fanatic. Despede Mafalda, depois das suas excessivas faltas ao trabalho.

Matos (Mário Gomes)
Membro da quadrilha da qual fazem parte João Ramos e Mané. Executa os serviços sujos.

1. (09/08/1991)
Miguel Sousa Santos está sentado no muro da praia, encolhido com frio e com bastante mau aspeto. Nostálgico, recorda-se de quando, naquela praia, salvou Manel de afogamento. Agora, isolado em si próprio, a amizade que o unia aos amigos, e particularmente a Francisco e a Isabel, parece distante. Ao mesmo tempo, no tribunal, o Dr. João Ramos (advogado que vive com uma tia, Nonô, e com a filha Isabel) é abordado por Mané. Incomodado, João Ramos proíbe Mané de voltar a procurá-lo no tribunal. Entretanto, na casa dos Sousa Santos, fazem-se os preparativos para o Natal. Mais tarde, ao ver o seu pedido de dinheiro recusado pela mãe, Miguel acaba por lhe roubar um anel. Vai ter com dealer Mané, mas este não aceita a jóia em troca de droga.


2. (16/08/1991)
Miguel observa a pulseira de ouro que “surrupiou” à sua mãe, Teresa Sousa Santos; entretanto, esta comenta o assunto com o marido, que resolve que o melhor que têm a fazer é aconselharem-se com João Ramos. Miguel fica desiludido com a pequena dose de droga que obtém de Mané, na troca da pulseira, muito inferior à que necessita. Mais tarde, questionado pela mãe, Miguel acaba por confessar o furto, acrescentando que, para recuperar a pulseira, precisará de muito mais dinheiro do que recebeu. Convencida pelas promessas de regeneração do filho, Teresa presta-se a dar-lhe o que ele pede, embora o avise de que não o aceitará mais em casa, caso ele não cumpra o prometido. Por outro lado, entre João Ramos e Madalena começa a adivinhar-se um romance… Em casa de Miguel, este está determinado a mudar, chegando a recusar um convite de Isabel para sair; no entanto, de manhã, Teresa encontra no seu quarto, casualmente, duas pratas com droga, que guarda. Ao acordar, Miguel procura a droga em todo o lado e, desesperado por não a encontrar, veste-se e sai apressado de casa.


3. (23/08/1991)
No escritório, João Ramos chama por Madalena, que já não se encontra. Entretanto, Miguel, que roubara a caixa de um supermercado, é apanhado pelos membros da segurança e é preso. João Ramos procura Madalena no bar Fanatic, onde a encontra muito revoltada, depois de saber que é Mané quem vende a droga ao irmão. No dia seguinte, Madalena, encontrando-se com Francisco, revela-lhe a sua preocupação depois de ter visto Mané com João Ramos. Mais tarde, sozinha, Madalena decide investigar os arquivos do advogado e verifica que Mané não consta dos ficheiros como cliente. Desconfiada, telefona a Francisco, confidenciando desconfiar que a droga possa vir disfarçada numa remessa de café, cuja chegada se prevê para daí a um mês. Assim que desliga, Madalena dedica-se a investigar os arquivos de importação. Nessa mesma noite, João Ramos leva Carla, uma namorada, até ao escritório. No chão, Carla descobre um papel com algumas anotações de Madalena, sobre as importações de café. Furioso, João Ramos telefona de imediato a Mané, que se encontra no bar Fanatic com Matos. Ao sair do Fanatic, nessa noite, Madalena é atropelada por um automóvel onde segue Matos. Este tira-lhe, depois, a carteira e a pasta com os documentos comprometedores para João Ramos.


4. (30/08/1991)
Miguel sai em liberdade, com três anos de pena suspensa. No entanto, ao encontrar-se com Mané e Matos, na esplanada, junta-se-lhes numa festa. De novo dependente da droga, o jovem acaba por gastar todo o dinheiro que o pai lhe dera para se inscrever num curso de informática. Mafalda resolve provar-lhe os malefícios da droga e, para isso, começa também a consumir. Entretanto, Isabel regressa da sua viagem pela Europa. Francisco vai ao seu encontro, pois continua apaixonado por ela. A rapariga diz-lhe ter chegado à conclusão de que não ama Miguel. Teresa descobre que o filho não se inscreveu nem no colégio, nem no curso de informática. Mafalda é dispensada do seu trabalho como cantora no Fanatic.


5. (06/09/1991)
Miguel e Mafalda estão de ressaca, devido à última dose de droga ingerida; mais lúcido, Miguel pede a Mafalda que inicie um tratamento com ele. Assim, Miguel pede ajuda aos seus pais, para que o ajudem, conseguindo ser internado, bem como Mafalda, numa clínica de desintoxicação. Depois de saírem da clínica, Miguel matricula-se numa escola e ingressa numa empresa como vendedor. Simultaneamente, resolve também procurar o apoio médico de um psicólogo. Não consegue, porém, fugir à influência de Mané e acaba por se meter de novo em sarilhos e a voltar à droga. Desta vez, ele e Mafalda chegam mesmo a prostituir-se.


6. (13/09/1991)
Miguel sai da clínica recuperado, entrega Mané à Judiciária e emprega-se numa fábrica de pranchas de surf. Entretanto, Francisco conta a Isabel o que descobriu sobre João Ramos, e esta vai ter com o pai para lhe dizer que já sabe toda a verdade sobre o seu passado. Enquanto João Ramos anuncia à filha a sua partida, Miguel, que ao longo da série se debateu com o confronto entre a necessidade urgente de droga e o desejo de se sentir realizado, sai bem-sucedido no fabrico de uma prancha de surf – o seu primeiro trabalho acabado, desde sempre. Em casa, sentindo uma realização plena, Miguel exibe à família o resultado do seu trabalho e, afinal, da sua vontade firme de vencer na selva que é a sociedade. Finalmente, Miguel começa a sentir respeito por si próprio e pelas suas vontades.

A Grande Mentira perseguiu a difícil missão de lidar com o tema da toxicodependência. A ideia partiu de José Manuel Arrobas (psicoterapeuta) e de Manuel Pinto Coelho (médico), sendo desenvolvida pelos guionistas de serviço da Atlântida, Manuel Arouca e Ana Rita Martinho.

Tozé Martinho mostrou, inicialmente, alguma relutância em produzir esta série, por considerá-la um trabalho de grande risco e com um enredo complicado. Contudo, acabou por aceitar o desafio, que foi levado a cabo com muito afinco: “Fizemos um trabalho de pesquisa muito exaustivo e fundamentado, para que a série merecesse a máxima credibilidade. Eu próprio procurei especializar-me nesta matéria que até agora desconhecia inteiramente. Foi muito cansativo, porque tive de ver muitos filmes que se fizeram sobre o problema da droga, ler livros, falar com instituições, médicos, psicólogos. E, de facto, consegui tirar muito daquilo que pus em prática. Foi um trabalho fantástico para todos nós, porque foi feito de uma forma muito séria e elaborada. Pusemo-nos em contacto com esse meio, desde instituições que se dedicam à terapêutica, à cura, até a ex-toxicodependentes. Portanto, todos nós nos valorizámos um pouco com o contacto com esse drama terrível que é a droga”.

Também o protagonista, Rui Luís Brás, disse ter mantido várias conversas com psicólogos, médicos do Centro das Taipas, ex-toxicómanos e toxicómanos, para além de ter visto vários filmes relacionados com o tema. Chegou mesmo a simular ser um drogado e a dirigir-se às urgências para uma hipotética consulta.

O realizador, Victor Manuel, declarou que “a intenção da fita foi arranjar imagens desagradáveis para afastar as pessoas da droga”. Todavia, apesar das cenas eventualmente chocantes, por serem realistas, evitou-se filmar o protagonista a injetar-se, deixando isso sempre subentendido.

Tozé Martinho estava expectante em relação ao horário em que a série seria exibida: “Gostaria que A Grande Mentira” fosse transmitida a um horário a que a juventude possa assistir, de preferência com os pais, para dialogarem sobre o assunto”.

Contudo – não se sabe se devido à sensibilidade do tema ou à fraca qualidade do produto –, a série foi relegada para um horário tardio, no fecho de emissão, em substituição da série brasileira Chapadão do Bugre, da Rede Bandeirantes.

A maior parte dos intervenientes em A Grande Mentira contestaram o horário restrito escolhido para a RTP para a sua emissão. Foi o caso de Rui Luís Brás: “A série pretende ser didática e merecia ir para o ar a outra hora”.

Também Sofia Sá da Bandeira se manifestou sobre o assunto: “O tema não é tabu. Tem de ser mostrado, falado. O filme tem ritmo e está longe de conter cenas violentas. É por isso que não consigo perceber a escolha deste horário”.

O último episódio foi complementado com um debate, moderado por Rui Luís Brás.

Intervieram José Manuel Arrobas, Manuel Pinto Coelho e Kay Bondurant, representante internacional da PRIDE (Parent Resource Institute for Drug Education), instituição sediada em Atlanta.

José Manuel Arrobas
Manuel Pinto Coelho
Kay Bondurant

Este foi o primeiro trabalho de Ricardo Carriço como ator, embora tenha sido o segundo a ser visto – a série Claxon, o seu segundo trabalho, tinha sido exibida alguns meses antes.

À data, em declarações à TV 7 Dias, Carriço criticou a direção de atores, a cargo de Tozé Martinho: “Foi uma experiência positiva, apesar de algumas carências. Não houve uma boa direção de atores, cada um de nós tinha que ter iniciativas”.

Em 2019, na sua autobiografia, o autor recordou este trabalho com alguma nostalgia.

Entrada na televisão

Apesar de continuar a desfilar com imensa alegria e prazer, a verdade é que já começava a pensar noutras coisas, noutros desafios, noutros voos.

Naquela altura os desfiles eram extremamente coreografados e cénicos. Eu adorava esses elementos extramoda, esses pluses. E – diziam-me – desenvolvia-os cada vez melhor, pelo que me parecia lógico pensar numa evolução da minha carreira que pudesse explorar essa chama da representação que tinha começado a sentir em mim.

Numa entrevista para a Moda & Moda, revista dirigida pela Marionela Gusmão, perguntaram-me: “Então, Ricardo, e agora? O que é que gostaria de fazer depois disto?”

E eu aproveitei a deixa e contei que gostaria muito de experimentar trabalhar como ator.

A conversa terminou e não voltei a pensar no assunto. Três ou quatro dias depois, toca o telefone lá de casa. Atendo e do outro lado oiço uma voz muito grave:
– Posso falar com o Ricardo Carriço?
– É o próprio – respondi com alguma apreensão.
– Daqui fala Tozé Martinho. Ouvi dizer que você quer ser ator.
Fiquei meio atrapalhado mas respondi de imediato:
– Quero!
– Ai quer? Então venha cá amanhã fazer um casting.
E assim foi. Fui fazer o casting, li o texto que me deram e fiquei aprovado. Nessa série, A Grande Mentira, gravada em 1990 e exibida na RTP no ano seguinte, estreei-me eu, a Sofia Sá da Bandeira, a Julie Sergeant, o Rui Luís Brás e a Helena Laureano.

Éramos os cinco amigos que andavam sempre juntos. A série era muito engraçada e alertava para o perigo da toxicodependência no final da adolescência.

Foi um trabalho repleto de emoção, ou não tivesse sido o primeiro, mas também, e vejo-o a esta distância, um trabalho de enorme qualidade para a época.

Estava dado o pontapé de saída para a representação, quase dez anos depois de ter começado a ser manequim profissional. E estava muito feliz!

Para Julie Sergeant, Madalena “foi um papel giro de fazer, embora não me tenha dado muito gozo. Valeu, principalmente, pelo grupo de jovens que tinha e que se ajudaram mutuamente”. Na trama, a atriz fazia o papel de filha da sua própria mãe, Guida Maria.

Apesar de ainda pouco experiente, Helena Laureano não dececionou no papel da toxicodependente Mafalda.

Para além disso, interpretou também as músicas cantadas pela sua personagem, uma cantora de bar.

Nos últimos episódios, as (muito curtas) atuações no bar foram asseguradas pela banda Lobo Meigo.

As praias da Ericeira e do Guincho e alguns bairros de Lisboa onde se comercializavam estupefacientes foram alguns dos cenários naturais onde decorreram as gravações.

Praia de São Lourenço (Ericeira)

O jornal Se7e, na pessoa de João Gobern, foi implacável na crítica que dirigiu à série, e que aqui transcrevemos:

A Grande Mentira é mentira, sim senhor

Havia, antecipadamente, poucos motivos para acreditar nesta série. Todos eles tinham um nome: Guida Maria, Julie Sergeant, Sofia Sá da Bandeira. Pelo contrário, as razões para a desconfiança eram mais que muitas: a Atlântida, a direção de atores de Tozé Martinho, o argumento de Manuel Arouca, a anunciada intenção terapêutica desta ficção “à portuguesa” resultante de uma “profunda investigação”.

Ao primeiro episódio, exibido na passada sexta-feira, as dúvidas caíram. Todas. A Atlântida mantém o nível das suas produções – quis meter-se em terrenos de Miami Vice, saiu-lhe a inenarrável Homens da Segurança. Com Caixa Alta, foi o que se viu. Agora, o caso é mais sério – em jogo está um problema sério, inquestionavelmente. E que, por isso mesmo, não merecia ser tratado em ritmo de três pancadas.

Uma questão preliminar que merece ser abordada é a do dia e hora da exibição – sexta-feira, verão, depois da meia-noite. Garantia de que os eventuais destinatários, as “vítimas” deste “flagelo social”, não estarão em casa para a ver. Ainda bem. E é, até prova em contrário, um sintoma de que os próprios responsáveis da RTP pouco ou nada acreditavam no efeito desta Grande Mentira. E isso ajuda a levantar outro problema – quem são então os telespectadores “apanhados” pela série? Provavelmente pais e educadores a quem A Grande Mentira nada ajudará, podendo mesmo contribuir para desconfianças e mau ambiente familiar, em muitos casos sem qualquer justificação.

A série de Martinho e Arouca chega a provocar saudades de Origens, telenovela portuguesa em que a questão era aflorada, embora não fosse o seu tema central. É má em toda a linha. Primeiro: os diálogos. Ninguém diz em praça pública (ou quase) que “isto está a merecer um ganda xuto”. Já ninguém utiliza frases como “música ao vivo é o que está a dar”.

Segundo: a estrutura narrativa é desastrosa, sem se definirem ambientes, sem se perceber onde começam e acabam as personagens. Alguém acredita que a filha de um bem posto gestor só tenha vinte contos para gastar em todas as suas prendas de Natal? Alguém conhece um dealer como o que é inventado aqui, exposto e com um arzinho que valha-me Nossa Senhora? Alguém acredita que uma irmã, ao mesmo tempo que diz querer ajudar o irmão, ameace os pais de que sai de casa se eles não resolverem o problema? Alguém acredita num bar como aquele que se viu, em que Helena Laureano tenta cantar um tema cujo refrão é “parasita social”?

Terceiro: a representação é de chorar a rir. Há, aliás, um figurante que nem sequer disfarça um sorriso no preciso momento em que Rui Luís Brás e Ricardo Carriço se envolvem em cena de pugilato. E o dealer, aquele dealer… Quase tudo. Quase todos.

Quarto: é uma série de falsos pudores. Por um lado, evita cuidadosamente mostrar qualquer cena onde se veja o protagonista ou algum dos seus amigos no ato de consumo “da droga”. Com que explicação? Em nome de quê? Por outro lado, falha drasticamente o único aspeto que poderia minorar os seus efeitos perniciosos – a tentativa de entender as motivações de Miguel para trocar o seu grupo de surfistas pelos “caminhos da perdição”. E é também uma série que mistura tudo de forma tendenciosa e arriscada – as noites, os copos, o pó. Há relações mal explicadas presumivelmente porque mal conhecidas por quem gerou A Grande Mentira.

“Se uma só pessoa parar, refletir e disser não à droga, então valeu a pena o nosso trabalho”. Deixem-se de tretas! Se alguém acredita verdadeiramente que A Grande Mentira é útil que atire a primeira pedra. Passe a expressão, claro.

A série encontra-se disponível para visualização no portal RTP Arquivos.

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A Grande Mentira