Água Viva

Exibição:
16/02/1981 – 08/10/1981 (RTP 1)

Número de capítulos:
159

Produção:
Rede Globo (1980)

Novela de:
Gilberto Braga
Manoel Carlos

Direção geral:
Roberto Talma

A trama de Água Viva é composta por diversas histórias de igual importância e que, de uma forma ou de outra, se relacionam entre si.

Lígia (Betty Faria) é uma mulher de classe média alta que sonha em ascender socialmente. O seu casamento com Heitor (Carlos Eduardo Dolabella) não está de boa saúde e termina de vez quando este se envolve com Selma (Tamara Taxman), amiga de Lígia. Esta não perdoa a traição e vinga-se dando uma valente surra em Selma.

É na ocasião da separação que Lígia se encontra com Nelson Fragonard (Reginaldo Faria), um bon vivant que sempre viveu de rendimentos, mas que acaba de ser vítima de um golpe que o deixa em situação financeira bastante precária. Lígia trava conhecimento também com o irmão de Nelson, Miguel Fragonard (Raul Cortez), embora desconheça o parentesco entre os dois, e percebe que este vai mais de encontro às suas ambições. Lígia chega a ter aulas de cultura geral para impressionar o famoso cirurgião, com quem acaba por se casar.

Maria Helena (Isabela Garcia) é uma menina órfã que está em vias de ser transferida da instituição onde vive desde que nasceu. Preocupada com o seu futuro, Suely (Ângela Leal), que frequenta regularmente o orfanato, resolve procurar o pai dela, que é justamente Nelson. Porém, este descarta qualquer responsabilidade. Suely tenta adoptá-la, mas não reúne os requisitos necessários. São vários os interessados em ficar com a menina, entre eles a excêntrica milionária Stella Simpson (Tônia Carrero) e o casal Márcia (Natália do Vale) e Edyr (Cláudio Cavalcanti), que acaba por adoptar Maria Helena, apesar do momento de intensa crise que o casamento de ambos atravessa.

A novela conta-nos ainda a história de Janete (Lucélia Santos), que se apaixona pelo jovem cirurgião Marcos (Fábio Jr.), assistente de Miguel. O romance enfrenta uma forte oposição por parte da ambiciosa mãe do rapaz, Lourdes Mesquita (Beatriz Segall), cujo sonho é vê-lo casado com Sandra (Glória Pires), filha de Miguel. Aproveitando-se de uma fraqueza de Evaldo (Mauro Mendonça), pai de Janete, Lourdes faz chantagem com a moça, ameaçando denunciá-lo por contrabando caso ela não abdique do seu namoro com Marcos. Janete não cede à chantagem e Lourdes leva avante as suas ameaças. O plano acaba por se voltar contra si própria, já que Marcos fica incondicionalmente do lado de Janete.

A poucos capítulos do final, Miguel é assassinado. Vem-se a saber que o criminoso é Kleber (José Lewgoy), ex-marido de Stella, que revela ter morto o cirurgião após este ter descoberto o seu envolvimento no golpe de que Nelson fora vítima. O desaparecimento de Miguel abre caminho para uma reconciliação entre Nelson e Lígia, que confessam um ao outro nunca terem deixado de se amar. Entretanto, Nelson decide consertar os erros do passado e, conquistado pela ternura de Maria Helena, assume finalmente a sua paternidade, oferecendo-lhe o lar com que tanto sonhou…

Água Viva estreou na RTP no dia 16/02/1981. Após o capítulo de estreia, que excecionalmente foi exibido às 21 horas, a RTP transmitiu um debate sobre telenovelas.

A novela começou por ser exibida às 19:00, o que, a partir de certa altura, originou protestos por parte dos habitantes do meio rural. A carta que se segue, enviada para a revista Água Viva, é bastante ilustrativa:

Não será, com toda a certeza, por causa do problema que lhes venho pôr que os senhores da televisão vão mudar o horário da novela para as nove e meia da noite mas, em todo o caso, lá vai: sucede que quando o tempo começa a aquecer as hortas precisam muito mais de ser regadas e essa tarefa começa a ser feita precisamente no horário em que a televisão transmite a novela. O problema não é apenas meu – pois toda a gente de aldeias próximas se lamenta do mesmo. Isto quer dizer que a partir de agora deixamos de poder contar com o único passatempo que temos. O que é lamentável, já que às pessoas das aldeias, na sua maioria analfabetas, não lhes interessa os filmes estrangeiros com legendas que não sabem ler. A telenovela é a única distracção e se, a partir deste momento, nem isso é possível por causa do horário, então é bom que fiquem a saber que deixam de poder contar com milhares de espectadores. O que lhes pedia, portanto, é que estudassem a forma de transmitir a Água Viva quanto mais tarde melhor. Termino com um grande abraço amigo para todos.

Prazeres Diogo / Pucariça, Proença-a-Nova

Ao fim-de-semana, era também possível ver a telenovela em compacto exibido na RTP 2 ao fim da tarde. Mas esta repetição parecia não resolver o problema, pois o segundo canal não era ainda visto em muitas zonas do país.

Certo é que, a partir de Julho, a novela passou a ser transmitida num horário tardio (anunciado para as dez da noite, mas que chegava a sofrer atrasos de uma hora) e o compacto foi eliminado da programação.

Se alguns ficaram contentes com a mudança, o mesmo não se pode dizer de vários leitores que escreveram para a revista Água Viva manifestando a sua revolta com o novo horário. Como diz o velho ditado: não se pode agradar a gregos e troianos…

É muito possível que nas zonas rurais o novo horário da novela esteja mais de acordo com os afazeres das pessoas como de resto já aí foi dito por uma leitora, mas nas cidades (e refiro-me, especialmente, ao caso do Porto, onde resido) estou convencida de que a alteração não vai satisfazer quem tem por hábito seguir os capítulos de Água Viva. No meu caso pessoal, posso dizer que desde que começou o novo horário já perdi vários episódios. Tenho que me levantar todos os dias às sete horas e confesso que a partir das dez da noite já não consigo evitar o sono. Ainda por cima tiraram-nos a possibilidade de ver as repetições no segundo canal que dava um certo jeito e não nos obrigava a adiar nenhum compromisso a meio da semana para não perder a continuação da história.

Alda de Jesus Marques / Porto

A mudança de horário foi motivo de chacota na revista humorística Pão Comanteiga.

A revista Água Viva, acima mencionada, consistia numa colecção de 28 fascículos exclusivamente sobre esta novela.

Natália do Vale, intérprete de Márcia, era já conhecida do público português pela sua participação como Aurora em Gabriela. Em 1978, realizou no nosso país o seu primeiro trabalho em cinema, interpretando a personagem Lily Bobó em Kilas, o Mau da Fita. Este filme estreou em Fevereiro de 1981, pouco antes do início de Água Viva.

Betty Faria foi entrevistada por Luís Pereira de Sousa no programa Magazine 7. A conversa decorreu nos bastidores de Baila Comigo, que Betty se encontrava a gravar em 1981.

Durante a exibição da novela, Ângela Leal fez uma passagem por Lisboa, que mereceu uma referência por parte de Beatriz Costa no seu livro Nos Cornos da Vida.

Ângela Leal, aquela simpática artista brasileira da Globo, conhecida e admirada nas telenovelas, chegou a Portugal para “repousar”, disse ela a um diário lisboeta. Mas acrescentou que, se surgisse algum convite para fazer um “comercial”, o faria gostosamente!… Ela deve saber por outros colegas que por cá passaram noutros Carnavais que esses anúncios na televisão rendem centenas de milhares de escudos aos artistas “importados”. Alguns desses “bem pagos” comerciais resultam ridículos, como aquele da Bethy Faria: “Vocês descobriram o Brasil, eu descobri Raposeira… É tão gostoso!… Não bebo outra coisa…” E revira os belos olhos… Os Portugueses riem porque sabem que é mentira. Ela bebeu? Ninguém acredita!… À Ângela não surgiram os tais convites para “comerciais”, mas nem por isso a bela artista escapou aos aproveitadores de presenças populares, que lhe roubaram o tal repouso desejado. No dia 4 de Junho de 1981, no mesmo jornal diário, li estes dois anúncios. O primeiro: “Vá almoçar com Ângela Leal ao Restaurante Chouriço Assado”. (Não é, mas faz de conta…) Logo na página seguinte vinha outro convite: “Vá jantar com Ângela Leal à casa típica Toca Lá Se Queres Ouvir.” (Também faz de conta…)

No dia seguinte, o jornal O Dia anunciava que o Sr. Abecassis incluíra o nome da mesma artista para o “forrobodó” em que “Sua Excelência o Sr. Presidente da Câmara dançou o samba agarrado ao belo traseiro duma especialista no célebre rebolado“… Isto fez parte das festas dos santos populares, que nesse ano foram animadas pela Ângela Leal. Dizia o mesmo jornal que a Ângela devia estar no dia 5 de Junho de 1981 no Município, para uma conferência de imprensa. Creio que meteu almoço!… Coitada da Ângela, pobre moça! Com tanto bacalhau à Brás, sardinhas e vinho tinto, deve ter saído daqui com o fígado em “pandarecos”!…

A autora Leonor Bassères, amiga e posteriormente colaboradora de Gilberto Braga, fez uma adaptação de Água Viva em forma de romance, que foi publicada pela Editora Record com duas edições diferentes: uma em dois volumes e outra em um volume apenas. A edição com dois volumes foi importada para Portugal na altura da telenovela.

Mais tarde, em 1988, também veio a ser vendida em Portugal uma outra versão romanceada de Água Viva, com adaptação de Eduardo Borsato, que fazia parte da colecção Telenovelas – Campeões de Audiência. Esta colecção tinha sido lançada pela Editora Globo Rio Gráfica uns meses antes e alguns dos seus volumes foram importados para Portugal.

O cantor Júlio César lançou um single intitulado Pelo Mundo Sozinho, uma versão em português do tema Ships, de Barry Manilow, amplamente tocado na novela.

O jornal Se7e publicou uma divertida entrevista com a personagem Lourdes Mesquita (vivida por Beatriz Segall), da responsabilidade do cronista Zé Carioca de Limão.

Em 2000, a novela foi reposta no GNT, como resultado de uma votação onde eram concorrentes, para além de Água Viva, as novelas CambalachoA Gata ComeuRoque Santeiro e Vereda Tropical.

Por esta altura, o GNT exibiu uma entrevista exclusiva com a actriz Betty Faria.

No site do canal, foram publicadas duas entrevistas: uma com Betty Faria e outra com o autor Gilberto Braga.

Betty Faria

Aos 58 anos, Elizabeth Maria Silva de Faria já fez diversos papéis de sucesso. Novelas como TietaA Indomada e, é claro, Água Viva foram sucesso absoluto no Brasil. A partir do dia 24 de janeiro, o público português tem a chance de dividir com milhões de brasileiros a certeza de estar diante de uma estrela. Em Água Viva, Betty é Lígia, uma mulher muito bonita que faz questão de esconder sua origem humilde e que procura subir na vida de todas as maneiras. Casada duas vezes, mãe de dois filhos, Lígia foi criada para ser a dona-de-casa perfeita. Já madura, luta por sua independência econômica, mas não foi preparada para isso. “Ela depende totalmente do marido”, descreve a atriz. Gilberto Braga, autor da novela, explica a escolha de Betty para o papel: “Lígias existem aos montes e Betty saberia captar perfeitamente o espírito fútil e ao mesmo tempo corajoso da personagem”. Respeitável público: com vocês, Betty Faria.

Betty, existe uma relação mais específica entre você e sua personagem na novela?
O Gilberto Braga escreveu a Lígia para mim, por achar que eu seria ideal para encarnar uma mulher avançada no tempo, com força para batalhar sua independência, criar seus filhos e se permitir uma nova chance na vida afetiva.

O que significou para sua vida fazer Água Viva?
Essa novela foi gravada em 1980 aqui no Brasil e foi por causa dessa personagem que eu recebi o meu primeiro convite (em 1982) para ir trabalhar em Portugal, onde gravei um especial de fim de ano com 5 histórias sob a direção de Nicolau Breyner.

Qual a sensação de saber que a novela foi a escolhida pelo público português para substituir Dancin’ Days?
Adorei saber do resultado dessa promoção em Portugal! Espero estar por lá em breve.

Como e onde sua carreira começou?
Comecei como bailarina. Dancei em musicais e shows, enquanto fazia cursos de arte dramática no Rio de Janeiro. Em 1965, estreei minha primeira peça de teatro. Era uma obra do francês Barrilet-Gredy. No ano seguinte, atuei em meu primeiro longa-metragem (Amor e Desamor). Depois voltei ao teatro em Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojero; Os Pequenos Burgueses, de Gork; Bravo Soldado SchweikA Falsa Criada, de Marrivaux. Só em meados de 1969 tive chance de fazer minha primeira novela (A última valsa).

De quantas novelas você já participou? Quais foram elas?
Ao todo foram 26 novelas. Algumas delas: Pecado CapitalO EspigãoDuas VidasÁgua VivaPartido AltoO Salvador da PátriaTieta A Indomada. Foram também alguns musicais, algumas séries e 14 peças de teatro. Mas ainda fiz muito cinema brasileiro: A Estrela Sobe e Romance da Empregada, do Bruno Barreto; O CortiçoBye Bye Brasil e Um Trem para as Estrelas, do Carlos Diegues; e, mais recentemente, For All, de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz.

OK. Obrigado, Betty. Sucesso e esperamos te ver em breve.
Meus votos de um ano 2000 de muita paz e amor para todos. Beijos.

Gilberto Braga

Carioca do bairro de Copacabana, do alto de bem-cuidados 53 anos, o autor de novelas Gilberto Braga acumula mais um troféu: a escolha do público português. Água Viva, uma de suas 21 obras para a TV, venceu uma promoção feita através do site do GNT e vai substituir Dancin’ Days. A novela concorreu com pesos-pesados da dramaturgia brasileira e levou uma votação de esmagadores 50%. Os concorrentes eram todos produções mais novas: A gata ComeuVereda TropicalRoque santeiro e Cambalacho. O fim de Dancin’ Days e o início de Água Viva marcam uma interrupção do reinado absoluto de… opa, Dancin’ Days também foi escrita por ele!

Qual a sensação de vencer uma promoção desse tipo?
Fiquei surpreso e muito contente com a escolha de Água Viva, 19 anos depois das filmagens (a novela é de 1980). Esse é um dos meus trabalhos preferidos. Bonita, alegre, com glamour, suspense, emoção, humor, um elenco e direção maravilhosos, enfim, um trabalho de que tenho grande orgulho. Teria o maior prazer de rever se pudesse ver o GNT Portugal.

Como você vê suas novelas fazendo tanto sucesso em Portugal?
Confesso que já me acostumei. Sinto-me meio português. Sempre que chego ao Rossio me sinto em casa. A primeira vez que vi o Chiado após o incêndio, com parte destruída, chorei como se tivesse nascido aí. Alguma coisa certamente ligada ao Rio antigo, minha infância, eu adoro flanar pela velha Lisboa, como aliás adoro Portugal de ponta a ponta. É o único país do mundo, fora o Brasil, em que consigo aceitar com naturalidade que as novelas agradem. Para mim, é praticamente a mesma cultura, entende?

De onde surgiu a trama de Água Viva?
Com bastante ajuda do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, durante muito tempo um dos principais executivos da Rede Globo). Curiosamente, nos anos em que trabalhei com ele como chefe, Água Viva talvez tenha sido, de todas, a novela de cuja trama e criação o Boni mais participou. Talvez por ser pescador e adorar o mar, ele foi se empolgando e ajudou muito.

O que foi, na prática, escrever Água Viva para você?
Novela é sempre muito cansativo. Prefiro fazer minissérie. Claro que na hora foi dificílimo, mas vendo de longe, hoje, acho que foi das minhas criações menos penosas. Inclusive pela ajuda do Manoel Carlos, a partir do capítulo 60. Uma coisa que deve ter ajudado muito para que hoje eu possa me lembrar daquele momento sem grandes traumas é que, das minhas novelas pras 20 horas, Água Viva foi a mais curta: 159 capítulos. E quanto mais longo mais penoso. No momento, estou escrevendo a mais longa, Força de um Desejo. São 226 capítulos! Estou exaaaaaaausto!!!

Das novelas que você escreveu, qual seria o seu xodó? E por quê?
Vale Tudo. A parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères contribuiu muito e é sem dúvida aquela de que gosto mais.

OK, Gilberto, obrigado e um abraço!
Um abraço.

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Água Viva