Crime na Pensão Estrelinha

Exibição:
31/12/1990 (RTP 1)

Autoria:
Herman José

Produção:
Manuel Rosa Pires

Realização:
Fernando Ávila

Elenco:
Ana Bola – Célia
Canto e Castro – Neves
Herman José – Hércules
José Pedro Gomes – Lacerda
Lídia Franco – Preciosa
Maria Vieira – Estrelinha
Nuno Melo – Bruno
Rita Blanco – Tónia
São José Lapa – Lita Gomes
Vítor de Sousa – Lelo

Na noite de 31 de dezembro de 1990, os hóspedes da Pensão Estrelinha estão reunidos em volta da televisão a assistir ao programa do réveillon do Canal 1 – Adeus 90, Olá 91 – apresentado por Serafim Saudade.

A assistência é composta por: Estrelinha (Maria Vieira), a ex-dona da pensão; Lita Gomes (São José Lapa), uma atriz de terceira; Tónia (Rita Blanco), dentista brasileira; Célia (Ana Bola), tripeira, dona de uma boutique na Rua dos Fanqueiros e mulher de Lelo (Vítor de Sousa); Preciosa (Lídia Franco), mulher de Neves (Canto e Castro) e amante de Bruno (Nuno Melo), um estudante de Filosofia; e Lacerda (José Pedro Gomes), um militante de esquerda.

O desprezível Neves, atual dono da pensão, mantém um péssimo relacionamento com os seus hóspedes, dando-lhes, assim, bons motivos para o matarem.

Ao bater das 12 badaladas, perpetra-se o crime na Pensão Estrelinha: Neves é envenenado com um raticida “discretamente” colocado na sua flûte de champanhe e que, na sua composição, contém bromopatasona, glimificatona e… tranatranita!

Depressa é chamado o detetive Hercules Pirô (Herman José) para desvendar o enigma.

Célia (Ana Bola)
É natural do Norte, mais precisamente de Vila do Conde. E, claro, tem o sotaque do “Estebes”. Empreendedora, tentou ser dona de uma boutique. Comprou-a e tudo, mas deu-se mal com os trapos e ficou com a conta bancária a negativo. O marido, o Lelo, sofreu bastante com isso, também porque não conseguiu provar os seus conhecimentos bancários. Mais? Célia veste chique, adora lantejoulas e raposas e odeia o Neves, o “patrão” da Pensão Estrelinha.

Lelo (Vítor de Sousa)
Trabalha numa agência da “Velha Rede” e, embora o argumento não esclareça, tudo leva a crer que é filho de Lisboa, da Maternidade Alfredo da Costa. Considera-se honesto, mas vive com a consciência pesada por ter sido o autor de um grande desfalque no banco onde ganha o pão de todos os dias. Ama perdidamente a Célia e odeia o Neves.

Lita Gomes (São José Lapa)
É atriz de teatro independente e, como tal, leva para a Pensão Estrelinha todo o dramatismo e seriedade que põe cada vez que sobe a um palco, como em “Fedra”, que tinha um cenário magnífico, lembram-se? Ganha mal, gosta e costuma queixar-se de não ser a Beatriz Costa pois, “se o fosse, vivia num hotel e não na espelunca do Neves”. Por aqui, percebe-se que também odeia o Neves.

Estrelinha (Maria Vieira)
Herdou do pai a Pensão Estrelinha, mas não teve unhas para o negócio e o Neves apanhou-a nas curvas. Ou seja: emprestou-lhe um dinheirinho e, quando deu por ela, ele já era dono de tudo e ela uma espécie de governanta. Resultado: odeia, odeia mesmo muito o Neves.

Preciosa (Lídia Franco)
Ri alto, veste bem, é coquette e esposa do Neves. Acumula este estatuto com o de amante de Bruno, que por acaso é filho do Neves. Ainda: odeia o Neves, mas consegue chamar-lhe amorzinho, queridinho, docinho, com muito amor.

Bruno (Nuno Melo)
É um pessegão, jovem, que vive de não fazer nada, ou de fazer algumas especulações. O autor fê-lo filho do Neves e fê-lo também amante da madrasta, a Preciosa. E, porque tinha mesmo de ser, pô-lo a odiar o pai: o Neves, com certeza!

Tónia (Rita Blanco)
Brasileira, dentista, jovem e fresca, instalou-se em Lisboa pois “no Brasil a coisa está difícil, sacou?”. Vive na pensão do Neves porque “a malta não topa muito brasileiro, sacou?”. E tem sonhos: ser Betty Faria e instalar-se, definitivamente, em “Tieta”. Enquanto não chega lá, odeia o Neves, mas muito disfarçadamente.

Lacerda (José Pedro Gomes)
Usa sobretudo cores escuras e palavras como “camaradas, assembleias, votos, liberdade, democracia”. Quando fala do Neves, costuma usar outro vocabulário. Quer dizer: puxa do seu dicionário de esquerdista (que é) e apelida-o de “explorador, inimigo número um”. Escusado será acentuar que é verdade: odeia imenso o Neves.

Neves (Canto e Castro)
À volta dele gira toda a história. Mas isso não o melhora nada. Antes pelo contrário. De minuto a minuto, ele é cada vez pior. Faz chantagem, despreza tudo e todos, agride por dá cá aquela palha, humilha, espezinha e tem um fraquinho… pelo filho, Bruno.

Hercules Pirô (Herman José)
Nas suas mãos, no seu talento e sem a ajuda de Agatha Christie vai estar a grande questão: quem matou o Neves? E não é que ele adivinha? E não é que ele consegue apanhar o assassino? E não é que…?

Uma referência na televisão portuguesa. Foi a primeira vez – e talvez das poucas – que um programa de passagem de ano fez história.

Crime na Pensão Estrelinha foi escrito por Herman José em apenas dois fins-de-semana: “Não há ali dez segundos que tenham sido inventados à última hora para encher chouriços. Tudo o que a televisão vai passar na noite de fim de ano foi pensado, criado, trabalhado por mim. Estive quatro dias fechado em a casa a trabalhar das 9 da manhã às 4 da madrugada, com intervalos apenas para comer qualquer coisa e ir passear os cães à rua”.

A linguagem do programa, segundo o próprio Herman, reunia elementos dos seus êxitos anteriores: “Tem uma mistura dos ingredientes todos. D’O Tal Canal tem coisas como a informação, as entrevistas; do Humor de Perdição tem o facto de ser um programa dentro do programa, ou seja, de as pessoas na tal pensão estarem a ver um programa de fim-de-ano na TV, que também é ficção; e do Casino Royal tem um pouco da ação pseudo-dramática das personagens que vão viver um crime que acontece depois da meia-noite”.

Alguns sketches foram adaptados de crónicas que Herman José fazia na TSF. O núcleo da pensão, escrito em tom de Agatha Christie, foi criado especialmente para o programa, sendo o fio condutor entre as outras peças.

As gravações decorreram durante cerca de 3 semanas, nos estúdios do Lumiar.

Pela primeira vez, desde que Herman José fazia este género de programas, que a realização não estava a cargo de Nuno Teixeira, tendo sido entregue a Fernando Ávila – por coincidência, amigo de infância do humorista.

O programa de variedades a que os hóspedes da Pensão Estrelinha assistiam, apresentado por Serafim Saudade, estabelecia também ligações ao estúdio de informação, bem como a várias delegações regionais da RTP. Na delegação do Porto, encontrava-se o famoso Estebes; na da Merdaleja, Maximiana; na de Serpa, Ivette Marise.

Zé Estebes
Maximiana
Ivette Marise

Durante o programa, são feitas algumas referências à avalanche de novos concursos que acontecera em setembro de 1990. De forma a que não se perdesse o hábito dos concursos na noite da passagem de ano, foi exibido um sketch que se tornaria antológico – Trevo da Morte (uma clara alusão ao Trevo da Sorte). Este foi, aliás, eleito por Herman José como o seu sketch favorito. Refira-se ainda que o “boneco” do apresentador foi inspirado em António Sala.

Um dos sketches mais bem conseguidos foi a rubrica de culinária. Filipa Vasconcelos prepara uma ceia de passagem de ano seguindo a sua habitual filosofia de aproveitar o que tem em casa – neste caso, batatas.

Assim, a ementa é composta por:

Entrada: gaspacho de batata (aproveitando a água da lavagem da batata)
Bebida: chá de cascas de batata
Prato de peixe: postas de batata acompanhadas com puré de batata e grelos de batata
Prato de carne: hambúrgueres de batata com batata frita
Sobremesa: mousse de batata

Outros momentos marcantes do programa:

– Entrevista, à porta do Palácio de São Bento, ao primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva (voz de João Canto e Castro);

– Entrevista a Felisberto Lalande, presidente da ADQNSDL (Associação daqueles que não sabem dizer os L’s);

– Rosa Lobato Faria publicita o seu novo livro, cujos direitos, supostamente, revertem a favor da UNICEF. Contudo, a autora revela que se trata de uma farsa para incrementar as vendas. Refere também que o livro contém vários erros, o que tornará a sua leitura ainda mais cativante.

Ao longo do programa, Herman José incorporou para cima de duas dezenas de figuras.

Uma delas foi, aliás, o próprio Herman José.

Na noite em que o programa foi apresentado, Herman José encontrava-se a fazer o espetáculo de fim de ano do Casino Estoril.

O programa estava a ser reposto no dia 17/01/1991 quando teve de ser interrompido para dar lugar a um especial de informação sobre importantes desenvolvimentos na Guerra do Golfo. Algumas semanas depois (a 12/02/1991), o programa foi finalmente reposto na íntegra.

No ano seguinte, Herman José apresentou um novo programa de fim de ano, o Hermanias Especial Fim de Ano.

O título do programa foi um dos puzzles da última sessão de A Roda da Sorte, exibida a 31/12/1993.

Em 2007, numa iniciativa da revista Time Out Lisboa, Crime na Pensão Estrelinha foi lançado em DVD, tornando-se o primeiro programa de Herman José a ser comercializado em formato digital.

A edição incluía uma entrevista de meia hora com Herman José, conduzida por João Miguel Tavares, no decorrer da qual Herman José revelou sentir orgulho deste especial, que considera “o programa da sua vida”.

Crime na Pensão Estrelinha é um dos programas que com maior frequência é reposto na RTP Memória, no último dia do ano: aconteceu em 2004, 2007, 2010, 2012 e 2014.

No dia em que se gravava a emissão especial de 31/12/2010 (data em que o programa comemorava 20 anos), Maria Vieira encontrava-se a fazer de Mãe Natal no Portugal no Coração, tendo sido chamada para dar uma pequena entrevista a Júlio Isidro, em jeito de depoimento sobre o Crime na Pensão Estrelinha. A atriz classificou-o como “o melhor programa de humor da televisão portuguesa”.

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