Por Alcaides, vila perdida na lezíria ribatejana, a família Vieira espalhava a sua perversidade. O velho Afonso Vieira (Henrique Santos) acabara de falecer, corria o ano de 1970. Quem lhe ocupou, de forma pacífica, a cadeira de Morgado da Herdade da Estrela foi o seu filho Pedro (Joaquim Rosa). Os outros filhos, Quitério (Armando Cortez) e Tomé (Carlos César), tinham as suas vidas arranjadas: o primeiro, enquanto perene médico de Alcaides, homem liberal, anárquico, de costas voltadas a Deus, impoluto perante a tradição do apelido que ostenta; e o segundo, padre do lugarejo e devoto aos valores da família. Mais do que tudo, o que Pedro cobiçava era o poder na latifundiária Herdade da Estrela. Casado quase por favor com Carolina (Fernanda Lapa), sofrida e submissa, tinha dois filhos: Carlos (António Pedro Cerdeira), afeiçoado aos valores paternos de casta e tradição, e Paula (Fátima Belo), espevitada, espalha-brasas que rompe com as tradições.
Bem diferente era a família Abrantes: abnegados proprietários rurais, homens de palavra dada e afeiçoados aos cavalos e à terra. Horácio (José Eduardo) era o respeitado patriarca, que Pedro desconsiderava no seu frémito de poder, ateando o rastilho de uma guerra onde tudo valia, numa desavença que acabou com Horácio encarcerado em Peniche. Cumprida a pena, não se resignou ao fardo. Levantou a moral e a cabeça, passando uma herança de honradez aos filhos – Jorge (Gonçalo Waddington), Rita (Sofia Cerqueira) e Margarida (Catarina Seabra) –, contando com a ajuda da mulher, a implacável Marília (Henriqueta Maya), a quem nenhum furacão era capaz de domar. Com Jorge formado como regente agrícola, sedento de ideias modernas para rasgar o bafiento tempo de uma agricultura arcaica, à base da mão-de-obra, Horácio hesita em avançar com a mecanização, mas, quando dá o aval, a burocracia e o cadastro sujo pela estadia em Peniche travam-lhe o ânimo. Jorge decide avançar e vincar as suas raízes em Alcaides, onde se apaixonara em perdição por Paula Vieira. Esta, cada vez mais incompatibilizada com os limites tacanhos da vila e os rigores opressores da sua família, debanda até Lisboa, à procura de um futuro novo. Apesar da dura indignação do pai, que a escorraça de casa, Paula vence na vida de cantora, graças à voz e à paixão dedicada com que se entregou à vocação. Por Lisboa, também constrói Carlos o seu futuro na medicina. Em Alcaides, fica Jorge Abrantes, construindo na terra o seu futuro.
1996 corre em brando armistício quando a morte de Pedro bate à porta, trazendo o luto à família Vieira: Paula (Simone de Oliveira), sentimental, despede-se do pai, a quem nunca mais dirigira a palavra, e, sentindo a tradição familiar a apelar-lhe, Carlos (António Rama) larga provisoriamente a medicina e encafua-se em Alcaides como agricultor. Sedento de poder, para compensar o sacrifício, tenta colar os cacos de uma vida ensarilhada: mantém um casamento de conveniência com Emília (Guida Maria), saloia rapariga viva que retirara do cabeleireiro de bairro onde trabalhava; mantém uma relação oportunista com a enfermeira Lurdes (Sofia Alves) e um negócio sujo de automóveis de matrícula falsificada com o meio-irmão, Afonsinho (António Cordeiro), nervoso e canalha, que lhe aspira o lugar. Agitado no fulgor da ambição, quer apoderar-se das sesmarias, terrenos baldios a cargo da Junta de Alcaides, para lhe forrar ainda mais de dinheiro os bolsos, tencionando vendê-los posteriormente para aí ser construída uma autoestrada. Encrespado pela falta de eficácia das suas negociações com Jorge (Virgílio Castelo), o Presidente da Junta de Alcaides, faz a história repetir-se. Jorge recebe ordem de prisão, por ter sido da sua espingarda que foi disparado o tiro à queima-roupa que alvejara Amélia (Márcia Breia), a empregada da Estrela, supondo-se que o alvo fosse o morgado. O sabujo plano dá resultado, atingindo novamente, quase fatalmente, o coração da família Abrantes. Carlos celebra, triunfante, mais uma vitória.
Se a sua carreira profissional de Carlos toca o brilho, escarcéu irrompe num problema que abre uma fenda profunda na relação com o seu sócio na clínica, Luís Simões (Luís Esparteiro): a eutanásia. Os clamores de fim do suplício agoniante de uma doente em estado vegetativo e de seu marido (José Gomes) comovem Luís, deixando vir à tona a forma mercantil de fazer medicina do cirurgião Vieira, que no imediato despreza a ideia, fazendo de tudo para lhe prolongar a bem remunerada estadia na clínica. Misteriosamente, o ventilador é desligado e, com a morte da doente caída do céu, Carlos, lesto, aponta o dedo ao seu sócio, denegrindo-lhe a reputação. A vida pessoal de Luís, entretanto, ensarilhara-se, já que o casamento com Gisela (Sylvie Rocha), do qual resultara a filha, Madalena (Constança Esparteiro), caminhava inapelavelmente para o divórcio. Igualmente prestes a cair estaria a máscara de Carlos de bom gestor: os seus repetidos e avantajados desfalques às contas da clínica ameaçavam ser denunciados.
Por entre as revoltas e a guerra que ensurdece Alcaides, a vila movimenta-se, respirando entre o consultório obsoleto e decrépito de Quitério e o café Paris, propriedade de João Faria (Orlando Costa) e da mulher, a truculenta Anica (Margarida Carpinteiro), onde fumegando e bebendo os problemas da vila são discutidos. Por lá, pára o vagabundo Grelinhos (Canto e Castro), o maior mistério da novela, cuja vida desfraldada no fim faz abrir de espanto a boca a quem assistiu, percebendo o porquê do amparo de Quitério, velho, resmungão, cujo amor secreto pela cunhada Carolina calou e ensimesmou anos a fio.
O turbilhão entre Vieiras e Abrantes agita-se em novo retalho de paixão desenfreada que nasce, subitamente, entre Leonel (Pedro Górgia) e Cristina (Sónia Jerónimo), colocada em causa pela suspeita de ser Carlos o pai que a mãe dele, Rita (Sofia Sá da Bandeira) toda a vida lhe ocultara. Para ela – e nesse sentido não mentira ao filho –, o pai estava morto. Um frémito de paixão unira Rita e Carlos, e, com o extinguir do amor – da parte dela, já que Carlos sempre preterira Leonel –, germinara nela ainda mais asco aos Vieiras. Rita é mãe solteira, uma das três advogadas de Alcaides, num escritório que mantém com Octávia (Helena Isabel) e com o filho desta e de Afonsinho, Chico (Miguel Mendes). A irmã de Rita, Margarida (Filomena Gonçalves) anseia ser mãe. Massacrada por um casamento violento e insípido com o sôfrego Reinaldo (António Assunção), de apetite voraz, machão tradicional, Margarida vê o sonho cada vez mais ser adiado pela certeza de que não seria com aquele marido que sonhara. De amores contrariados se faz fugaz história entre Céu (Patrícia Tavares), filha de Jorge, e o misterioso Artur Fanica (Miguel Hurst), abatido à queima-roupa no largo de Alcaides, desconfiando-se que por saber demais, e não pela diferença de cor, que o torna alvo da língua viperina e remordente de Anica. Céu é quase o espelho da mãe, Cidália (Isabel Medina), que tenta respirar num casamento com Jorge, onde se sente ofuscada pela sombra de Paula Vieira. Procurando valorizar-se, Cidália vai lutando contra os seus próprios fantasmas e vai deixando perceber interiormente que aquilo que a une a Jorge é amor, sim.
Por Alcaides, instala-se um bando de ciganos bravios, andaluzes, comerciantes de cavalos e de sapatos nas feiras, que lutam contra a fama velhaca que carregam. São chefiados por Laureano (Morais e Castro) e, por entre eles, Ramón (Ricardo Carriço), o seu cunhado, luta por um amor sem barreiras com Octávia, esburacando a tradição empoeirada. Também por lá se discute um casamento marcado, sem amor, que prometera fazer de Manel (Rui Rim) esposo de outra, quando o seu coração bate por Joaninha (Sofia Grillo).
Entre bravios e encrespados humores ribatejanos, a paz e a ordem são asseguradas pelo tenente Raul Oliveira (Paulo Matos) e pelo sargento Raimundo Alves (Manuel Cavaco), homem empírico, que aprendera em encontrar nos clássicos gregos filósofos as recomendações sábias que lhe permitem decifrar e escarafunchar a mente humana. Raimundo vive um longo romance encoberto com a irmã de Anica, a solteirona Rosinha (Cecília Guimarães). Figura frígida, linguaruda, Rosinha pouco é vista no Café Paris, onde taramela o Delegado do Ministério Público, o pacato João Gouveia (Guilherme Filipe), e o padre Reis (Luís Vicente), o padre filósofo que substituíra Tomé na devoção a Nossa Senhora das Candeias. Gouveia é misteriosamente substituído por Ana Maria Simões (Sílvia Rizzo), que guarda um segredo sobre as suas origens.
Por entre pensamentos e filosofias, desmontam-se os mistérios que formigam em Alcaides e surpreendentes revelações vão surgindo. Fica cristalino que o espavento de Carlos e a sua loucura fingida de nada valeram, ele que se julgara tão dono de tudo e de todos, que arriscara tudo quando se sentira no fio do arame, e com que tudo resolvido, larga bafo de calmaria que se seguiu à perigosa tempestade. Galopando no dorso dos bravios filhos do vento, cujo passado colado ao presente vem frequentemente escrever a história de homens que, como o Grelinhos, se conformaram por terem sido adultos sem terem sido meninos…