Guerra dos Sexos

Exibição:
23/04/1984 – 03/01/1985 (RTP 2)

Número de capítulos:
185

Produção:
Rede Globo (1983/1984)

Novela de:
Sílvio de Abreu

Colaboração de:
Carlos Lombardi

Direção:
Jorge Fernando
Guel Arraes

Após ser lido o testamento do tio Enrico, Charlô (Fernanda Montenegro) e Otávio (Paulo Autran) ficam a saber que são seus herdeiros e que se tornaram proprietários de uma mansão em estilo vitoriano, bem como da cadeia de lojas Charlô’s, com filiais em todas as capitais do Brasil. Porém, a aceitação da herança está dependente de uma cláusula do testamento que proíbe a negociação do património para fora da família. Como um não tem dinheiro para comprar a parte do outro, os dois constatam que se tornaram sócios para o resto da vida. Acontece que, embora apaixonados um pelo outro, Charlô e Otávio nunca estão de acordo: enquanto ela apenas pretende trabalhar com mulheres, ele é da opinião que cargos de responsabilidade só devem ser ocupados por homens. Instala-se uma guerra dentro das lojas: de um lado Charlô, Juliana (Maitê Proença), sua neta, e Vânia (Maria Zilda), a sua colaboradora mais próxima; do outro, Otávio e Felipe (Tarcísio Meira), filho adotivo de Charlô.

Charlô e Otávio com a família

Entretanto, Otávio, com o intuito de melhor controlar os negócios das lojas, comprou a fábrica Ravello Sport, uma das suas principais fornecedoras, a Vitório Leone (Carlos Zara). Todavia, este morre antes de lhe passar os recibos e Otávio não tem como provar a transação. A viúva, Roberta (Glória Menezes), não sabe de nada e recusa-se a entregar a fábrica.

Roberta Leone

A guerra entre Charlô e Otávio é resolvida através de uma aposta: se as mulheres aumentarem as receitas em 10% no prazo de 100 dias, Charlô fica com a totalidade da herança, caso contrário tudo passa para Otávio. Porém, na equipa das mulheres existe um elemento perigoso: Carolina (Lucélia Santos), filha de Nieta (Yara Amaral), irmã de Roberta, e de Dinorah (Ary Fontoura), contabilista da Ravello. Determinada a ajudar Felipe, por quem está apaixonada, Carolina não hesita em sabotar um desfile promovido por Charlô e Roberta e, assim, comprometer o resultado da aposta. Quem também perde com a sabotagem é Nando (Mário Gomes), ex-motorista de Charlô e Otávio, que, incentivado por Roberta, iniciava uma promissora carreira de modelo.

Carolina

Por esta altura, após ver frustrados alguns dos seus planos, Otávio encontra-se desaparecido. É então que surge Dominguinhos, um primo português cujo rosto é idêntico ao de Otávio. Todos tentam desvendar o mistério que permanece até ao final: saber se Otávio e Dominguinhos são a mesma pessoa. Quando Otávio, o verdadeiro, reaparece ao fim de algumas semanas, não se chega a cruzar com o primo que, desiludido por ninguém acreditar na sua identidade, já havia partido para Portugal.

Dominguinhos e Charlô, com a empregada Olívia

Enquanto isso, Roberta acaba por tomar conhecimento da compra da Ravello por parte de Otávio, mas, como o negócio foi efetuado sem o seu consentimento, ela consegue recuperar a fábrica, indemnizando-o com um diamante no valor de 2 biliões de cruzeiros.

Provada a sabotagem e ganha a aposta, Charlô pede a Otávio que não se volte a ir embora, declarando-se a ele. Os dois caem nos braços um do outro e casam-se pouco tempo depois, mas, ao regressarem de lua-de-mel, ficam a saber que foi encontrado um outro testamento assinado pelo tio Enrico, a prescrever que toda a herança que em tempos receberam terá de ser partilhada com dois primos portugueses: Dominguinhos, já conhecido de todos, e Maria Altamiranda, sua esposa e prima. E se as semelhanças físicas entre Dominguinhos e Otávio já eram conhecidas, deparamo-nos com o facto inusitado de que também Maria Altamiranda e Charlô são verdadeiras réplicas uma da outra…

Otávio e Charlô

Uma das mais bem sucedidas telenovelas já exibidas no Brasil e em Portugal e, de todas as telenovelas apresentadas fora da RTP 1, foi esta sem dúvida a que teve um êxito mais expressivo. Adquirida juntamente com O Bem-Amado para ser exibida em 1984, teve a sua antestreia no dia 9 de março do mesmo ano, num programa especial que, das 20:30 às 22:00, na RTP 1, transmitiu na íntegra os primeiros capítulos destas duas telenovelas, anunciadas como duas das melhores alguma vez produzidas.

A primeira polémica prendeu-se com o facto de Guerra dos Sexos estar programada para a RTP 2, a partir da última semana do mês de abril. Nesse sentido, quer a RTP quer a imprensa em geral acumularam grandes doses de protestos, que reclamavam a exibição de Guerra dos Sexos na RTP 1. Mesmo com hesitações, a resposta oficial informava que a única alternativa que tinham se quisessem passar Guerra dos Sexos para a RTP 1 era passar O Bem-Amado para a RTP 2, pois ambas as telenovelas teriam de ir para o ar nesse ano. Ora, O Bem-Amado, para além de já ter estreado há mais de um mês, era uma telenovela bastante aguardada desde o tempo da Gabriela, com vastos artigos na imprensa portuguesa e cuja promessa de exibição já havia sido reiterada várias vezes. Entretanto, houve um projeto para levar a Guerra dos Sexos para a RTP 1, num horário alternativo. Esse projeto, pelo que se conseguia perceber, consistia na reexibição do capítulo do dia anterior à hora do almoço. Porém, as emissões diárias durante a manhã, a partir da Alameda das Linhas de Torres, haviam sido interrompidas no ano anterior, devido à contenção de custos, e a ordem era para que não abrissem antes das 17 horas. Por outro lado, a RTP Porto ainda não se encontrava preparada para emitir diariamente. A emissão da RTP 1 abria às 5 da tarde e, antes disso, tinha de estar assegurado o serviço público da telescola, que transmitia para todo o país o Ciclo Preparatório.

Assim, quando chegaram as férias, saiu a notícia de que Guerra dos Sexos passaria ao início da tarde, faixa horária em que seria repetido o capítulo que tinha ido ao ar no horário noturno. A notícia teve bastante destaque na imprensa e foi capa do jornal Se7e. Este semanário comentava um aumento espetacular da audiência registada pela telenovela em pouco mais de um mês de exibição, para índices nunca antes vistos na RTP 2 e com tendência para continuar a subir. José Niza, então no Conselho de Administração da RTP, garantiu que a telenovela também passaria na RTP 1, e que só estava a aguardar autorização do governo para a emissão da televisão pública ser alargada nesse sentido. Porém, essa autorização não foi concedida, devido à grave crise económica que se tinha instalado, num período difícil ainda hoje recordado pela ameaça da bancarrota, pela abundância de salários em atraso e pelo consequente aparecimento de figuras emergentes como a famosa dona Branca. A contenção de custos era para continuar, mesmo durante as férias.

Uma vez que os protestos continuaram, havendo quem reclamasse do horário tardio, em vez de ir ao ar após o Jornal da NoiteGuerra dos Sexos passou a dar antes desse bloco noticioso, cerca de meia hora mais cedo, às 21:20.

Entretanto, na RTP Açores e na RTP Madeira, Guerra dos Sexos substituiu Pai Herói, indo ao ar pouco depois das oito da noite.

Guerra dos Sexos foi um enorme sucesso junto do público, tendo sido eleita, numa pesquisa feita ao longo de todo o ano pela revista TV Top, o programa preferido dos portugueses em 1984, vencendo concorrentes fortes como FamaO Bem-Amado, Um Dois Três e Top Disco (programa que esteve na origem do Top Mais).

Recebeu bastantes elogios de várias figuras públicas como a atriz Suzana Borges, a ex-deputada Maria José Nogueira Pinto ou o apresentador Jorge Gabriel.

Foi grande o destaque dado a esta telenovela pela imprensa especializada. A revista Nova Gente anunciava numa faixa “o guia completo da Guerra dos Sexos”, trazendo, para além dos resumos, vários artigos, curiosidades dos bastidores, entrevistas, etc.

Num dos números, é dada a conhecer a identidade do senhor que serviu de modelo ao quadro do tio Enrico.

O último capítulo, que foi ao ar no dia 03/01/1985, repetiu no dia seguinte, o que viria a acontecer com Louco Amor e Roque Santeiro que, curiosamente, também acabaram num dia 3 (03/03/1986 e 03/08/1988, respetivamente).

Guerra dos Sexos popularizou grandemente nomes já conhecidos do público português, como Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Glória Menezes, Yara Amaral e Lucélia Santos, e deu-nos a conhecer, entre outros, Tarcísio Meira, Maitê Proença e Maria Zilda, que apenas tínhamos visto fugazmente em Água Viva. Estes três atores deslocaram-se a Portugal na altura em que a telenovela estava a ser exibida na RTP e puderam comprovar o êxito. A sua chegada foi capa de revistas e de vários jornais.

Tarcísio Meira e Glória Menezes apareceram de surpresa em agosto de 1984 e, mal entraram em território português, foram “assaltados” por uma avalanche de fãs. O evento foi noticiado quer pela imprensa quer pela televisão que, nos noticiários, alternou uma entrevista aos atores com cenas do capítulo 89.

Maitê Proença esteve em Portugal nos meses de novembro e dezembro do mesmo ano e a sua estadia mereceu destaque em todos os blocos noticiosos da televisão. Nessa ocasião, após uma breve entrevista, o jornalista em causa interpelou-a com uma pergunta cuja resposta não foi mostrada ao público: “A Juliana vai mesmo ficar com o Nando?”

Nessa ocasião, Maitê Proença gravou um programa em que recitava sonetos de Petrarca no Palácio da Ajuda, exibido pela primeira e única vez em 1986.

Antes de se ir embora, e a propósito das eleições indiretas no Brasil, agendadas para 15/01/1985, confessou à Nova Gente que, se alguma vez Maluf ganhasse, viria viver para Portugal.

Maria Zilda veio inaugurar uma discoteca em Albufeira, na passagem de ano de 1984 para 1985, e a sua visita causou sensação. Foi convocada uma conferência de imprensa, mas os jornalistas ficaram desiludidos com o facto da atriz ter vindo de calças de ganga, não podendo mostrar as suas “belas pernas”.

Quem se encontrava aqui na altura da estreia era Paulo Autran, ainda colhendo frutos da sua personagem anterior, o Baldaracci de Pai Herói.

No Carnaval de 1985, Mário Gomes foi a estrela da Mealhada. Segundo o Jornal de Notícias, várias fãs assumiram os papéis de Roberta e Juliana para o receber.

Na Nazaré, foi Edson Celulari, o rei do Carnaval.

Guerra dos Sexos também teve destaque no Carnaval dos Açores, sendo um dos principais temas da letra da música intitulada Lamentos do Povo, da autoria de António Mendes:

E quanto à guerra dos sexos,
A nossa telenovela
Parece causar reflexos
Na enorme clientela.
Mas não queiram copiar
Os calores de D. Vânia,
Apesar de consentânia
Uma atitude a tomar.
Foi pena aquela boca aberta
Do Nando, que é meio tolo,
Ter deixado a Roberta
A chorar de desconsolo.
É triste deixar com fome
Uma pobre viuvinha,
Que a Juliana é que come
O que era p’ra a Robertinha.
Mas temos um convidado,
O senhor João Tramela,
Que vai ser entrevistado
Sobre esta telenovela.

Pergunta
Gosta da telenovela
E da gente brasileira?

Resposta
Gosto, mas por causa dela
Tenho feito muito asneira.

Pergunta
Asneiras em que sentido?
Sente-se algo incomodado?

Resposta
Fico com o tino perdido
E o organismo alterado.
Sou pessoa adoentada
E sofro do coração.
Vendo aquela pernalhada
Me altera logo a tenção.

Pergunta
Acha que o Nando merecia
Casar com a D. Roberta?

Resposta
Talvez, mas o que ela queria
Não encontra pela certa.
Visto já não ser donzela
E com prática extraordinária,
Só na Junta Pecuária.

Algum tempo depois da telenovela terminar, Sílvio de Abreu deslocou-se a Portugal e, numa entrevista à TV Guia, falou de Guerra dos Sexos e de Vereda Tropical, o seu mais recente trabalho.

Um ano após a exibição da telenovela, Leina Krespi também veio a Portugal, com Rubens de Falco, apresentar uma peça sobre Bocage. Foi convidada especial do programa Espaço 12/13 e imediatamente identificada como a dona Semíramis.

Durante o tempo em que a telenovela esteve no ar, foram lançados no mercado vários discos:

– o LP, com as versões originais, pela Polygram:

– um single com a música do genérico:

– O tema Anjo, dos Roupa Nova, também obteve muito êxito e fez parte de várias coletâneas de músicas de sucesso da época, como o Polystar 84:

– O mesmo tema também foi comercializado numa outra versão, interpretada por Dalto:

– O tema internacional de Juliana, Hold Me Till The Morning Comes, foi também editado em single:

– Entretanto, o cantor Márcio Ivens gravou um disco com alguns temas da telenovela:

O tema principal, interpretado pelos Fevers, fez parte da banda sonora da novela Laços de Sangue, exibida pela SIC em 2010/2011. Era tema do casal Armando (João Ricardo) e Gi (Custódia Gallego).

Guerra dos Sexos foi a primeira novela humorística a ser vista em Portugal, a primeira de Sílvio de Abreu e a primeira “do horário das sete” a ser comprada pela televisão portuguesa. Ficará para sempre na memória por recorrer abundantemente ao humor, algo que não era muito usual até à altura, e por ter reunido Fernanda Montenegro e Paulo Autran, considerados os maiores atores dos palcos brasileiros.

Para além da vertente humorística, outra particularidade de Guerra dos Sexos foi a inspiração na sétima arte, sendo inúmeras as citações a filmes conhecidos, desde os clássicos até aos sucessos mais recentes. A ideia inicial era recuperar o clima das grandes comédias dos anos 30, onde se destacam os irmãos Marx e os êxitos da dupla Cary Grant e Katherine Hepburn. As cenas passadas numa cela entre Roberta e Felipe, ou Leda e Ronaldo, farão o telespectador mais atento lembrar-se de Bringing up baby, de Howard Hawks.

Por outro lado, a personagem Carolina, que se infiltra na vida privada dos membros da diretoria da loja Charlô’s para conquistar o poder, tem tudo a ver com a Eve de All about Eve, dirigido por Joseph L. Mankiewicz. As mulheres de negro que aparecem à procura de Otávio são as três inspiradas em personagens de Tennessee Williams: Blanche Dubois de Um Eléctrico Chamado Desejo, Alma Winemiller de Summer and Smoke (Anjo de Pedra ou Verão e Fumo) e Alexandra del Lago de Sweet Bird of Youth (Corações na Penumbra). As ex-mulheres de Felipe entretanto constituem uma homenagem a cinco das maiores divas de sempre de Hollywood: Bete Davis, Marlene Dietrich, Greta Garbo, Barbara Stanwyck e Dolores del Rio.

Grande parte da sonoplastia também ficou por conta das grandes bandas sonoras do cinema que, por sinal, apareciam com muito mais frequência que nos respetivos filmes: temos, por exemplo, músicas de PsychoVertigoThe Young FrankensteinMissão ImpossívelHigh AnxietyA Pantera Cor-de-rosaApocalypse NowE Tudo o Vento LevouIndiana Jones e até mesmo de Yellow Submarine. Mas sem dúvida a banda sonora que mais passou foi a de Silent Movie, obra-prima de Mel Brooks, cujos temas são da autoria de John Morris. O disco de Silent Movie poderia mesmo ser considerado a trilha sonora instrumental de Guerra dos Sexos.

Passavam também, com frequência, sucessos do tempo das big bands, que davam o glamour dos anos 30 à telenovela. Moonlight serenade, de Glenn Miller, e I’m getting sentimental over you, de Tommy Dorsey, são apenas alguns exemplos.

Após o seu termo, Guerra dos Sexos foi durante bastante tempo referida aquando da estreia de outras telenovelas. As chamadas de Vereda TropicalSassaricando e Rainha da Sucata anunciavam que a nova telenovela trazia de volta “a mesma equipa” ou “o mesmo autor” de Guerra dos Sexos.

Em 1988, com a importação de alguns volumes da coleção Telenovelas – Campeões de Audiência, editada pela Editora Globo Rio Gráfica, foi vendida em Portugal a versão romanceada desta telenovela, com adaptação de Eduardo Borsato.

Guerra dos Sexos voltou a ser exibida em Portugal pela SIC, ao meio-dia, entre 08/04 e 18/10/1996, e alcançou a maior audiência do horário neste canal, oscilando entre os 7,5% e os 9%, número semelhante ao que novelas como Paraíso Tropical ou Duas Caras registariam mais tarde no horário noturno.

Nesta ocasião, foi comprada uma versão de 150 capítulos de 35 minutos, distribuídos ao longo de 140 dias úteis em episódios de duração variável. Tal como acontecera em 1984, também em 1996 Guerra dos Sexos estreou na segunda-feira seguinte ao dia de Páscoa. O slogan de lançamento foi: “Mobilização Geral, estreia dia 8 a Guerra dos Sexos“. No decorrer da exibição, a telenovela era anunciada como “a mais divertida de todas as telenovelas”.

Foi por esta altura lançado um CD com as músicas da telenovela.

No ano de 2012, a TV Globo produziu um remake de Guerra dos Sexos que não obteve o mesmo sucesso. Em Portugal, esta novela foi ao ar no canal Globo da televisão por cabo.

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