Hermanias

Exibição:
16/12/1984 – 03/03/1985 (RTP 1)

Número de programas:
12

Autoria:
Herman José

Textos:
Herman José
Miguel Esteves Cardoso
Tozé Brito
António Tavares Teles

Canções:
Carlos Paião

Direção de atores:
Herman José

Direção e arranjos musicais:
Ramon Galarza
António Emiliano

Produção:
Piedade Maio
Marques da Silveira

Realização:
Margarida Gil

Elenco:
Helena Isabel
Herman José
Lídia Franco
Luís Horta
Margarida Carpinteiro
Natália de Sousa
Vítor de Sousa

Miscelânea de sketches, uns fixos outros não, Hermanias traz-nos também uma espécie de novela centrada no quotidiano da engenheira, arquiteta e adida cultural Teresa de Bragança (Herman José), proprietária da casa de espetáculos Restaurantíssimo, onde a vedeta principal é o seu sócio, Serafim Saudade, o verdadeiro artista. Acompanhado de duas coristas, Mirita (Helena Isabel) e Carmo (Natália de Sousa), em todos os episódios este mestre da canção dá mostras do seu talento com diversos contributos musicais. Ora, se os bastidores dos seus concertos se mostram repletos de peripécias, também a vida amorosa da engenheira e arquiteta não passa em branco ao longo do programa. Assediada pela máscula Rosarinho (Lídia Franco) e pelo conde e poeta Rambosino (Vítor de Sousa), Teresa é simultaneamente apaixonada por Serafim Saudade e pelo comentador desportivo José Estebes (Herman José), que tem uma rubrica permanente dentro do programa. Resta ainda mencionar a empregada Rita (Margarida Carpinteiro), fã número um do cantor, bem como o contra-regra Caramelo (Luís Horta), que a ama perdidamente sem ser correspondido.

Teresa de Bragança
Rambosino
Rosarinho
Serafim Saudade
Mirita
Carmo
Rita
Caramelo

Nos intervalos dos entrechos proporcionados por estas personagens, o telespectador é presenteado com os blocos noticiosos e com pequenas rábulas, algumas protagonizadas por personagens permanentes.

É o caso do Dr. Pinóquio, um porta-voz do Governo cujo nariz cresce à medida que vai relatando factos pouco verídicos das disposições governamentais. O nariz cresce sempre que as últimas façanhas do Governo por ele relatadas cheirem a muita fartura.

Mais jovial do que nunca, José Estebes continua a mandar as suas larachas desportivas, mas desta vez existe uma lâmpada vermelha embutida na sua secretária, que se acende quando é expedido algum comentário menos próprio.

E quando os diálogos descambam, extravasando o politicamente correto, surge o temível Mário Cortes, cameraman e censor, que trata logo de pôr tudo na ordem, constrangendo os atores com os seus mandados ríspidos.

Muito embora não tenha feito o sucesso de O Tal Canal, em parte devido a comparações inevitáveis, a verdade é que Hermanias tem muito, quer do programa anterior de Herman José, quer de outros que viemos a assistir mais tarde. Para além de José Estebes e dos blocos noticiosos, em comum com O Tal Canal, Hermanias tem uma novela que, desta feita, ocupa grande parte do programa. A ideia de o programa consistir, em grande parte, num enredo cujas peripécias continuam no episódio seguinte, seria, por sinal, utilizada por Herman José em Humor de Perdição e Casino Royal, grandes sucessos da RTP da década de 80.

Havendo uma grande expectativa em relação à estreia de Hermanias, o semanário Se7e, logo após a primeira emissão, tratou de auscultar uma dúzia de pessoas conhecidas para medir a aceitação do novo programa. No geral, as opiniões foram favoráveis, com algumas reservas. Apenas Baptista-Bastos e José Saramago não gostaram de nada do que viram, embora se declarassem admiradores de Herman José. No extremo oposto, Beatriz Costa e Henrique Mendes mostraram-se fascinados com o programa.

A ideia para o título do programa surgira alguns anos antes, como relatou Herman José: “Hermanias foi o nome proposto pelo produtor da RTP, João Henrique, quando em 1980 deveria ter sido um programa destinado também ao pequeno ecrã. Só que o projeto era então rejeitado a favor do Sabadabadu. E ainda bem que isso aconteceu, embora nessa altura eu tivesse ficado furioso! No entanto, e em compensação, logo de seguida, apareci no Passeio dos Alegres, de onde saiu o Tony Silva”.

Hermanias contou com quase todo o elenco de O Tal Canal. Apenas Luís Horta veio substituir Manuel Cavaco, que na mesma altura se encontrava a gravar a novela Chuva na Areia.

Luís Horta

Para além de Estebes, outras figuras de O Tal Canal regressaram, mas não com caráter de continuidade. Foi o caso do menino Nelito e da estilista Jaquina.

Nelito
Jaquina

Para a conceção dos textos de Estebes, Herman José contou, mais uma vez, com a colaboração de António Tavares Teles e Tozé Brito: “Foram eles os homens que deram vida ao castiço Estebes, que criaram o modelo para o Estebes funcionar daquele jeito, pois a minha cultura desportiva é muito limitada. Um e outro continuam, pois, a ser os conselheiros do citado castiço”.

Um dos melhores momentos de José Estebes foi ao ar no episódio n.º 8, quando o comentador entrevistou pessoalmente Jorge Nuno Pinto da Costa, o já então presidente do Futebol Clube do Porto.

Foram ainda entrevistados por Estebes os jogadores Oliveira e Chalana (acompanhado da sua esposa, Anabela).

Oliveira
Chalana e Anabela

Considerada uma das melhores criações de Herman José, José Estebes veio ainda a aparecer em muitos outros programas, como é o caso de Humor de Perdição.

O futebolista alemão Franz Beckenbauer fez uma aparição no 9.º programa, sendo entrevistado (em alemão) não por Estebes, mas por Serafim Saudade.

Em Hermanias também é experimentado o humor de trocadilhos, que foi a marca registada do Casino Royal, programa de 1989. No caso de Hermanias, os jogos de palavras provinham do facto de Teresa não conseguir dizer os erres, trocando-os por guês.

Mário Cortes, por sua vez, é um percursor do Diácono Remédios, a personagem que Herman José tornou célebre no programa Herman Enciclopédia, a partir de 1997. Num registo semelhante, Cortes interrompe o programa quando são ultrapassados os limites da decência e não deixa de emitir o seu sermão, andando de um lado para o outro enquanto a câmara permanece pousada no mesmo sítio.

Outro quadro fixo é o do doutor Pinóquio, um alegado membro do governo que, à semelhança da personagem-título de Collodi, vê o seu nariz crescer sempre que as suas palavras fogem à verdade. Escusado será dizer que, no fim de cada rábula, o seu nariz mede cerca de vinte centímetros.

Grande parte da exibição de Hermanias coincidiu com o lançamento da telenovela portuguesa Chuva na Areia, que mereceu, por parte de Teresa de Bragança, comentários muito singulares. Por exemplo, quando Rita não percebe o que se passa à sua volta, ela diz-lhe que “isto não é telenovela, é tele-romance”, um produto destinado, portanto, a pessoas mais inteligentes. A piada vem do facto de Chuva na Areia ter sido veiculada como tele-romance, palavra que, no entendimento de Luís de Sttau Monteiro, o autor, traduzia melhor o teor da sua obra. Também o engenheiro Fontes (Virgílio Teixeira) da novela é alvo da língua afiada da proprietária do Restaurantíssimo: “Ele é tão rico que nos anos 60 consegue ter maples dos anos 80”.

As músicas de Serafim Saudade foram outro destaque do programa. Compostas por Carlos Paião e interpretadas por Herman José, algumas acabaram por sair em disco pouco tempo depois. Os temas mais conhecidos são Serafim Saudade e Mentirosa.

Em 1996, estas músicas foram relançadas, num CD que incluía também o single de José Estebes Bamos Lá, Cambada!.

No 11.º programa, Carlos Paião surgiu num dueto com o cantor, interpretando P’rás Sogras que Encontrei Na Vida.

Foram inevitáveis as comparações entre Serafim Saudade e Marco Paulo, mas Carlos Paião fez questão de frisar que não havia qualquer intenção de parodiar o cantor: “Gostava de deixar claro que o Serafim Saudade não tem outra relação com o Marco Paulo além da inveja, da raiva pelo êxito que o Marco consegue. (…) O Marco Paulo é um símbolo, alguém que faz aquilo bem feito, que possui um inegável magnetismo, cada vez mais raro entre os artistas”.

O próprio Marco Paulo também afirmou não se identificar com o “boneco”: “Se há semelhanças entre o Marco Paulo e o Serafim Saudade, ainda não dei por isso. Penso que, se as pessoas as encontram, é ou porque não me conhecem ou porque há ali alguma coisa que de facto possa justificar essa identificação, mas que me escapa… A verdade é que eu, Marco Paulo, não encontro em mim nada que me identifique com a personagem criada pelo Herman José”.

Fernando Pessa fez uma participação especial no primeiro programa, entrevistando Teresa de Bragança na inauguração do Restaurantíssimo.

Sempre irreverente, Herman consolidou neste programa o seu tipo de humor, em rábulas hilariantes, algumas mesmo inesquecíveis. Citam-se, a título de exemplo, o cirurgião que colava na parede uma moeda de cinco escudos sempre que conseguia matar algum paciente, ou o célebre vendedor de caixões: “os Vilaças que são caros como o caraças” e os “Super-cem, aqueles que não apodrecem”. Neste último sketch, Herman contracenava com Margarida Carpinteiro e denota-se que, em diversos momentos, a atriz não conseguiu conter o riso.

Foram divulgados pela imprensa dois quadros que não chegaram a ver a luz do dia:

Graziela da Cruz
Aprendiza de cabeleireiro. Uma desgraçada, obrigada a ganhar o pão com o suor do seu rosto, e das clientes, como ajudante de cabeleireiro no Salon de Ôte Cuafura de Madama Marques, pois não teve a sorte de D. Teresa de Bragança.

Dr. Alípio Penedo
Meteorologista sem método nem tempo para prever o tempo dignamente. Semanalmente, faz as suas previsões sobre o estado do tempo (e o mau estado do dito) com um mapa de Portugal muito especial, em forma da cara de um político conhecido.

Levantou-se a possibilidade de montar um 13.º programa, com a colagem de cenas não aproveitadas nas edições anteriores, ideia que acabou por não ir avante.

Na noite de 31/12/1991, a RTP exibiu um programa da autoria de Herman com o mesmo título. Falamos de Hermanias Especial Fim-de-ano, que nada tem a ver com a sequência de 12 episódios que aqui está em causa. Todavia, trata-se igualmente de um programa de sketches com a missão difícil de igualar uma experiência anterior. Se em 1984 havia uma grande expectativa justificada pelo êxito de O Tal Canal, o programa de réveillon também designado Hermanias sofreu, inevitavelmente, comparações com o seu antecessor, Crime na Pensão Estrelinha, exibido na passagem de ano de 1990 para 1991. Porém, independentemente das críticas, tal como ocorreu com o Hermanias de 1984/85, o especial de fim-de-ano foi um sucesso de audiências com momentos memoráveis, como é o caso da paródia ao polémico filme Império dos Sentidos.

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