Lisboa Sociedade Anónima

Exibição:
07/09/1983 – 19/10/1983 (RTP 2)

Número de episódios:
06

Adaptação e realização:
Eduardo Geada

Produção:
Artur Semedo

Documentários elaborados por:
Joaquim Vieira

Vozes:
Jorge Lopes
Henrique Garcia
A. Mega Ferreira

1. O banqueiro anarquista (07/09/1983)

Texto original:
Fernando Pessoa

Publicado no primeiro número da revista Contemporânea (1922)

A ação situa-se entre 1917 e 1928, e tal como se infere no título, aborda o que foi o movimento anarcossindicalista durante a Primeira República. Num restaurante de Lisboa, dois amigos almoçam. Um deles, banqueiro e grande açambarcador (como ele próprio se define), explica ao seu companheiro os motivos que o levaram a ser anarquista e banqueiro. Nascido de uma família pobre e por isso obrigado a trabalhar desde criança, a sua revolta nasceu das injustiças sociais. Essas injustiças levaram-no, na juventude, a ler e estudar as teorias anarquistas que, pensava então, poderiam libertar o homem da “tirania das ficções sociais” e, por isso, das injustiças por elas criadas. Através de uma argumentação cerrada e seguindo um raciocínio aparentemente lógico, o banqueiro vai opondo ao anarquismo uma série de objeções até concluir que, para se libertar a si mesmo dessa “ficção social” que é o dinheiro, só lhe resta adquiri-lo em grande quantidade. Essa conclusão leva-o a dedicar-se à especulação bancária e ao comércio, tornando-se assim imensamente rico.

Elenco:
Santos Manuel – banqueiro
Manuel Marcelino

Música:
Carlos Seixas
Fado do 31 – Rodrigo

2. O homem que não sabe escrever (14/09/1983)

Texto original:
Almada Negreiros

Publicado no Diário de Lisboa (26/05/1921)

Baseado também nos contos Nome de Guerra e A Invenção do Dia Claro

Estamos entre 1928 e 1933. Um escritor em crise procura a sua fonte de inspiração no contacto direto com o público. Melancólico e angustiado, Domingos Dias Santos, “o homem que não sabe escrever”, passa os dias fechado no seu quarto, numa pensão da Graça, de onde avista o casario e o “vaivém” da gente citadina, acabando por se dedicar a escrever cartas de amor ao namorada da criada da pensão – que, um dia, por ser analfabeta, lhe pedira para ler e responder a uma carta do seu “ai-jesus”.

Elenco:
Ricardo Pais – Domingos
Lídia Franco – prostituta
Raquel Maria – Rosa
Nuno Carinhas
Magda Cardoso
Fernando Lima
Celso Sacavém
Carlos Ivo
Ana P. Nunes
Paula Vê
Sara Lima
Luísa Roubaud
Manuela Charneira
Cláudia Cadima
Teresa Moreira
Pedro Múrias

Música:
Frederico de Freitas
Carta para o Degredo – Maria Alice

3. Uma viagem na nossa terra (21/09/1983)

Texto original:
José Rodrigues Miguéis

Extraído do livro Léah e Outras Histórias (1958)

Precedido de um documentário sobre Lisboa dos anos 30 até ao final da II Guerra Mundial, o conto de Rodrigues Miguéis situa-se no auge da guerra civil de Espanha, altura em que o regime corporativista português lançava as suas organizações paramilitares: Mocidade Portuguesa e Legião. O desfile patriótico tornava-se numa das principais facetas da encenação salazarista. Os discursos oficiais defendiam a tese de que era no campo e não na cidade que residiam as reservas morais da nação. E assim, uma certa burguesia urbana começou a descobrir os passeios no campo e os piqueniques na relva. Quem possuía automóvel podia aventurar-se a explorar a região saloia e visitar os parentes no Norte. É um destes passeios que Rodrigues Miguéis retrata e ironiza em Uma Viagem na Nossa Terra.

Elenco:
António Anjos – Artur
Henrique Viana – Fonseca
Amélia Videira – Alzira
Maria N’Zambi – Umbelina
António Feio
Maria Vieira
Celso Sacavém

Música:
Rapsódia Portuguesa – Manuel Figueiredo
Fado das Sombras – Fernanda Baptista
Fado das Iscas – Álvaro Pereira

4. O ritual dos pequenos vampiros (05/10/1983)

Texto original:
José Cardoso Pires

Extraído do livro Jogos de Azar (1963)

Este episódio retrata um certo bas-fond de Lisboa no pós-guerra (1945-1952). A guerra na Europa acabara, com a derrota das ditaduras. Porém, em Portugal, o salazarismo permanecia de pedra e cal. A paz social que o país vivia no período do pós-guerra era mantida à custa da repressão exercida pela polícia política, que, de algum modo, se mantinha indiferente ao aumento da criminalidade urbana, provocada sobretudo pelo desemprego e pela expansão desordenada da cidade. Lisboa ficou rodeada por uma cintura de bairros de lata que nunca mais desaparece. País de brandos costumes, Portugal continuaria durante muitos anos entregue às emoções provocadas pelas competições desportivas – entre as quais avultavam, a nível popular, o futebol e o boxe – e pelas tradições nacionais que são o fado e as touradas, até que, no final dos anos cinquenta, a televisão vem alterar os hábitos noturnos do convívio e da vida lisboeta. Outra tradição típica, que o escritor José Cardoso Pires analisou no livro Cartilha do Marialva – e de que o conto Ritual dos Pequenos Vampiros é de certo modo a ilustração prática –, prendia-se diretamente com a constituição da personalidade do homem, enraizada nos preconceitos da virilidade e da honra do macho latino. Quatro marginais vão violar uma rapariga menor a fim de evitarem o seu casamento forçado com o mulato Simas Anjo, que anteriormente aliciara a jovem e a “desonrara”, como então se dizia. Com efeito, a legislação portuguesa da época ilibava de responsabilidades qualquer homem que “desonrasse” uma menor desde que se provasse que ela tinha tido relações sexuais com outros homens. A hipocrisia moral, sancionada pela lei, é afinal o tema do filme, que não deixa também de retratar algumas personagens típicas, recorrendo abundantemente ao calão que então se falava.

Elenco:
Duarte Nuno
Virgílio Castelo – Oliveira
José Pataca
João Franco
Maria Valente
Maria A. Faria
Dina Silva
João Manuel

Música:
Vocês Sabem Lá – Maria de Fátima Bravo
Que Deus Me Perdoe – Amália Rodrigues
Ninguém – Maria Clara
Não, Não e Não – Maria de Lurdes Resende

5. A impossível evasão (12/10/1983)

Texto original:
Urbano Tavares Rodrigues

Extraído do livro A Impossível Evasão (1972)

Lisboa dos anos 60. É a guerra em África, é a revolta estudantil em Lisboa, são os movimentos de oposição ao governo do país. Apesar disso, os sinais de progresso eram ostentados com pompa e circunstância. A ponte sobre o Tejo tornou-se o orgulho da cidade e o símbolo do desenvolvimento económico que o regime cautelosamente prometia. Enquanto no coração da cidade se vislumbram as novas modas que nos chegam da Europa e da América, juntamente com os turistas que vêm equilibrar a economia do país, a Lisboa tradicional continua a ser o mundo dos empregados e pequenos funcionários que habitam os bairros antigos e degradados, limitados na estreiteza dos seus horizontes. Perante a pobreza e a instabilidade do mercado de trabalho, o sonho de muitos alfacinhas consiste, simplesmente, em tornarem-se funcionários públicos, a fim de assegurarem um futuro que, embora cinzento e rotineiro, tem pelo menos a vantagem da reforma. Outros, porém, não se conformam com a situação que têm e procuram uma saída a todo o custo. Saída difícil, sem dúvida, sobretudo para as mulheres, a maior parte das vezes duplamente exploradas, no emprego, no lar, no próprio corpo. Rosário é, porventura, a imagem fragmentada de uma dessas mulheres: mulher de um funcionário público, abandona o marido para ir viver com um vendedor de automóveis, que lhe promete “mundos e fundos”. É o início da sociedade de consumo, o começo da guerra colonial (1961-1968), a situação de dependência económica da mulher que acaba por ficar sozinha, sem marido e sem amante, comendo nas leitarias e fazendo a célebre rábula de quem se esqueceu da carteira…

Elenco:
Artur Semedo – Horácio
Maria do Céu Guerra – Rosário
Manuel Cavaco – Joaquim
Lucilina Sobreiro – Alda
Elisa de Guisette – senhoria
Adelaide João – Glória
Vítor Ninéu – Chico
Joaquim Prada
César Monteiro
Delfina Maria
Mário Neves

Música:
Só Nós Dois – Tony de Matos
Quatro Palavras – Francisco José
Hully-Gully do Montanhês – Conjunto Académico João Paulo
Sol de Inverno – Simone de Oliveira

6. Pôr-do-sol no Areeiro (19/10/1983)

Texto original:
Luís de Sttau Monteiro

Extraído do livro Um Homem Não Chora (1960)

A ação decorre entre 1968 e 1974. Estamos na chamada “Primavera Marcelista”, caracterizada pela palavra de ordem “evolução na continuidade”. O regime parecia ensaiar timidamente os passos para um novo rumo, mas a mudança era quase impercetível. Os ecos do maio parisiense de 68 trouxeram uma nova consciência aos movimentos de jovens e, a pouco e pouco, alguns preconceitos foram sendo derrubados. Uma certa euforia consumista agitou as classes médias. A banca tomou conta dos grandes cafés típicos da cidade, sacrários onde fervilham as ideias de sucessivas gerações de intelectuais lisboetas. Para lá das sete colinas, nascia uma cidade inteiramente nova, que pouco tinha a ver com a que nasceu debruçada sobre o Tejo. Era um crescimento ordenado, com vias traçadas a régua e esquadro. Alvalade, o mais efervescente dos bairros modernos, é agora parte integrante da vida da cidade. Para lá se deslocam os estratos sociais com maior poder de compra, lá se constroem os novos centros comerciais. É em Alvalade, pois, que Horácio instala o seu stand de venda de automóveis. É no mesmo bairro, ainda, que vive a senhora Valadas, esposa de um rico industrial, obviamente mais preocupado com os negócios do que com a mulher. Saturada pela solidão caseira e pelo olhar simultaneamente irónico e cobiçoso das criadas, a senhora Valadas passeia-se pelos cafés da Avenida de Roma e torna-se presa fácil das artimanhas de Horácio, quando este resolve iniciar o seu jovem empregado João nas artes da sedução do bom vendedor.

Elenco:
Mariana Vilar – Maria Helena Valadas
Artur Semedo – Horácio
Antonino Solmer – João
Maria Vieira – Maria
Carlota Calazans
Carlos Mota
António Feio – polícia
Lucilina Sobreiro – Alda
Joaquim Prada
Rafael Vieitas
António Rosa
António Delgado

Música:
Tourada – Fernando Tordo
És Preferible – Raul Solnado
Missing You – Sheiks
Vinte Anos – Green Windows
E Depois do Amor – Orquestra José Calvário

Nas palavras do realizador, Eduardo Geada, Lisboa Sociedade Anónima propunha-se “traçar a evolução cultural e social da cidade de Lisboa e das suas gentes durante o século XX”. Tendo por base um material literário bastante heterogéneo, os filmes tiveram como pano de fundo alguns dos acontecimentos mais marcantes desse século, desde os anos 20 – com o movimento anarcossindicalista – até ao limiar do 25 de Abril.

Os seis episódios, passados em épocas e locais diferentes, resultaram da adaptação de contos de diversos autores portugueses: Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Rodrigues Miguéis, José Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues e Luís de Sttau Monteiro.

Inicialmente, o conto de José Rodrigues Miguéis previsto para adaptação era Saudades para D. Genciana, que acabou por dar lugar a Uma viagem na nossa terra. Contudo, Eduardo Geada adaptou Saudades para D. Genciana mais tarde, num filme estreado em 1985.

Cada filme era antecedido de um documentário com cerca de 15 minutos, que enquadrava a época em que se desenrolava a história. Um trabalho de pesquisa documental, social e cultural, a cargo do jornalista Joaquim Vieira.

Os genéricos mostravam fotografias históricas de Lisboa, a preto-e-branco, com algumas partes coloridas.

Este foi um dos primeiros trabalhos em televisão de Maria Vieira, que participou em dois episódios.

A destacar, também, a presença, em A impossível evasão, do casal Lucilina Sobreiro e Vítor Ninéu, que ficara conhecido pela participação no concurso A Visita da Cornélia.

Lucilina Sobreiro
Vítor Ninéu

Produtor da série, Artur Semedo protagonizou os dois últimos episódios (A impossível evasão e Pôr-do-sol no Areeiro).

Embora as tramas fossem independentes, o seu personagem, Horácio, era o mesmo nos dois filmes, acontecendo o mesmo com Alda (Lucilina Sobreiro). Na cena em que ambos se reencontram em Pôr-do-sol no Areeiro, são igualmente citados os personagens de Maria do Céu Guerra e Manuel Cavaco no episódio anterior.

A transmissão da série foi interrompida por uma semana, aparentemente por dúvidas da RTP acerca da exibição ou não do polémico episódio O ritual dos pequenos vampiros, onde se assistia à violação de uma rapariga por quatro marginais.

Lisboa Sociedade Anónima foi reposta pela primeira vez em 2017, na RTP Memória.

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