O Bem-Amado

Exibição:
19/03/1984 – 22/11/1984 (RTP 1)

Número de capítulos:
177

Produção:
Rede Globo (1973)

Novela de:
Dias Gomes

Inspirada na peça Odorico, o Bem-Amado ou os Mistérios do Amor e da Morte, de Dias Gomes

Direção geral:
Régis Cardoso

Com a promessa de construir o cemitério municipal, Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) consegue eleger-se prefeito de Sucupira. Porém, o tempo vai passando, ninguém morre e a oposição, constituída por Lulu Gouveia (Lutero Luiz), Donana Medrado (Zilka Salaberry) e Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), começa a aproveitar-se do facto para atacar Odorico.

Odorico Paraguaçu

Por outro lado, a chegada do médico Juarez Leão (Jardel Filho) constitui uma força de bloqueio à inauguração do cemitério. Assim, para colmatar a situação, as irmãs Cajazeira, Doroteia (Ida Gomes), Dulcineia (Dorinha Duval) e Judiceia (Dirce Migliaccio), apoiantes de Odorico, mandam vir para Sucupira o primo Ernesto (André Valli), que se encontra moribundo, de maneira a que este possa finalmente inaugurar o cemitério. Ao invés de morrer, contudo, o primo apaixona-se por Judiceia, que lhe devolve a alegria de viver.

Odorico com as irmãs Cajazeira

A Odorico não resta então outra alternativa senão convidar Zeca Diabo (Lima Duarte), o maior matador de que há notícia nas proximidades e que vem a ser natural de Sucupira, para que venha passar uns tempos à sua terra natal. Todavia, para desespero de Odorico, Zeca Diabo pretende regenerar-se e nunca mais matar ninguém.

Odorico e Zeca Diabo

À medida que o tempo passa, manifesta-se uma tendência esquizofrénica em Odorico: cada vez que morre alguém, ou existe um desejo expresso para que o sepultamento seja feito em outra localidade ou então o morto é roubado antes do enterro. Em face das dificuldades, para Odorico vale tudo, até mandar o seu secretário, o ingénuo Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz) colocar microfones no confessionário da igreja. É assim que este descobre que o filho de Dulcineia, a sua esposa, não é seu e sim de Odorico. O resultado é trágico: Dirceu assassina Dulcineia por estrangulamento, mas nem Odorico tem sorte com a desgraça, pois esta é enterrada no cemitério de Jaguatirica.

Dirceu Borboleta

Na reta final da telenovela, todos os habitantes de Sucupira se revoltam contra Odorico, que mais não faz que tentar arranjar um morto. Numa jogada política, o prefeito tem a ideia de forjar um atentado para que a população o apoie novamente. É então que Zeca Diabo descobre que foi Odorico quem o denunciou à polícia e que, com a esperança de provocar uma morte, lhe havia dito ter sido Lulu Gouveia o responsável. Sem conseguir manter o juramento que fez, Zeca Diabo invade a prefeitura e mata Odorico, vindo este precisamente a inaugurar o cemitério com toda a pompa e circunstância.

Ao contrário do que se possa pensar, apesar de Gabriela ter sido a primeira telenovela a ser exibida em Portugal, é O Bem-Amado, produzida em 1973, a telenovela mais antiga que já foi vista entre nós.

Considerada um verdadeiro clássico ao tempo em que foi transmitida pela RTP, não se percebe porque é que demorou tanto tempo a estrear na televisão portuguesa.

Com efeito, já desde 1977 se falava da possível apresentação de O Bem-Amado, aquando da estadia em cartaz de O Santo Inquérito de Dias Gomes, em Lisboa.

Um long play produzido em Portugal no ano de 1978, com regravações de músicas pertencentes a bandas sonoras, incluía na sua seleção alguns temas de O Bem-Amado, dando já como certa a exibição da novela.

Em 1979, após o termo de O Astro, o então Diretor de Programas, Luís Cardoso de Meneses, declarou à TV Guia que a telenovela seguinte era Dancin’ Days e não O Bem-Amado, uma vez que a exibição da primeira era mais premente devido à sua temática atual. Com um enredo intemporal, O Bem-Amado poderia perfeitamente ser exibida no ano seguinte e, de facto, em 1980, a TV Guia noticiou a estreia de O Bem-Amado para esse ano. Para além do evento vir destacado na capa, a telenovela foi apresentada como um das mais emblemáticas, num artigo de uma página A4, havendo a promessa de que a teríamos nos nossos ecrãs a seguir à Dona Xepa.

Porém, logo após Dona Xepa seguiu-se Água Viva. Quando Água Viva se encontrava perto do fim, a imprensa começou a noticiar de novo a estreia de O Bem-Amado para 1981. Todavia, a partir de certa altura ficámos a saber que depois de Água Viva seguir-se-ia Olhai os Lírios do Campo, que, por sinal, não tinha feito sucesso no Brasil.

Entretanto, desde a exibição de Gabriela que vários atores brasileiros se deslocavam a Portugal. A título de exemplo, Paulo Gracindo e Ida Gomes referiam O Bem-Amado como a melhor telenovela em que tinham participado. Por outro lado, questionado sobre o sucesso das telenovelas brasileiras em Portugal, o escritor Jorge Amado declarou não ter assistido sequer à Gabriela, mas alegou que O Bem-Amado era uma telenovela que valia a pena ser comprada pela televisão portuguesa. Por estas e outras razões, O Bem-Amado foi uma novela muito aguardada e tal expectativa aumentou quando, em 1983, vários atores e técnicos da série que deu continuação à telenovela se deslocaram a Portugal para gravar um dos episódios, que contou com a participação de Guida Maria e João D’Ávila. Estes dois atores participariam ainda em outro episódio da mesma série.

Assim, só em 1984 se deu a aquisição de O Bem-Amado por parte da RTP. No dia 9 de março, foram exibidos na RTP 1, em ante-estreia, o primeiro capítulo desta telenovela, bem como o primeiro capítulo de Guerra dos Sexos, que também teríamos oportunidade de ver nesse ano. Foram anunciadas como sendo duas das melhores telenovelas já exibidas pela televisão portuguesa até essa altura e apelidadas como o Bloco Central da nova programação da RTP.

Após o termo de O Bem-Amado, o então Diretor de Programas reivindicou o mérito da aquisição deste produto, alegando que a telenovela não tinha sido vista até então por motivos políticos, dado haver muitos caciques protegidos por antigos governos que se identificavam com Odorico Paraguaçu.

A este propósito, vale a pena recordar as declarações feitas ao Correio da Manhã, em 06/11/2004, pelo professor José Hermano Saraiva. Segundo as suas palavras, aquando do exercício de funções no cargo de embaixador de Portugal no Brasil, de 1972 a 1974, o conhecido historiador teria assistido a telenovelas magníficas, como O Bem-Amado, e diligenciado no sentido de que a nossa televisão nos desse a conhecer este produto de qualidade notável. Se surtiu algum efeito tal intercessão é coisa que desconhecemos. Porém, a acreditarmos que sim, é legítimo questionamo-nos se, não fora tais diligências, ainda hoje estaríamos à espera da prometida exibição da telenovela.

O Bem-Amado foi a primeira telenovela a ser exportada e também a primeira telenovela a cores. A qualidade da cor em concreto não passou despercebida, pois já tínhamos assistido a outras telenovelas bastante mais recentes. Outra curiosidade prende-se com o facto da duração dos capítulos não ultrapassar os 30 minutos.

Talvez devido ao facto de ser uma telenovela mais antiga, notou-se alguma dificuldade por parte da imprensa em ter acesso a matérias com a mesma facilidade com que isso era feito em relação a outras telenovelas. A revista TV Guia, por exemplo, só passou a publicar os resumos depois de decorrido mais de um mês após a estreia. A revista Nova Gente apenas dedicava a O Bem-Amado, e somente durante parte da sua exibição, uma página A4, que tanto podia conter o resumo de vários capítulos agregados como informações avulsas sobre o êxito da telenovela. Guerra dos Sexos, que também foi ao ar em 1984, para além dos resumos diários, continha sempre pelo menos 3 páginas com informações adicionais. A revista Maria publicava os resumos diários de O Bem-Amado, mas o artigo semanal ou era bastante reduzido ou nem existia, o que também não era comum acontecer por essa altura.

Em compensação, a Agência Portuguesa de Revistas lançou uma revista semanal que continha uma descrição alargada dos episódios. Ainda que não trouxesse muitas matérias sobre os atores que participavam da telenovela, continha várias fotografias e posters de atores conhecidos desta e de outras telenovelas brasileiras. A partir da estreia de Guerra dos Sexos, a revista passou a incluir os resumos desta telenovela. Um ponto curioso é o facto de grande parte das fotografias de O Bem-Amado veiculadas quer nessa revista em especial, quer na imprensa em geral, não serem da telenovela, mas do seriado com o mesmo nome, cuja produção data dos anos de 1980 a 1984 e que conta as aventuras dos habitantes de Sucupira após a ressurreição de Odorico. Após o termo de O Bem-Amado, a Agência Portuguesa de Revistas não voltou a lançar outra revista sobre uma telenovela em particular. A sua situação económica já se encontrava em declínio e, passado quase um ano e meio, deixou de funcionar definitivamente.

No verão de 1985, foram exibidos na RTP 1, aos sábados à noite, os primeiros dez episódios da referida série, que seria transmitida na totalidade pelo canal GNT, em 1999.

Lamenta-se porém que a telenovela nunca tenha sido resposta em nenhum canal da televisão portuguesa.

Emiliano Queiroz deslocou-se a Portugal em dezembro de 1984 e foi muito bem recebido. No restaurante “Casa Branca”, em Vila Nova de Gaia, encontra-se exposta uma fotografia autografada desde esse tempo. Infelizmente, a pessoa responsável pela exposição deve ter confundido o apelido do ator com o do gerente do restaurante, pois o que se pode ler no placar é que entre os clientes ilustres daquela casa se encontra “Emiliano Alves, o Borboleta.”

Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz)

No Porto, na Rua 31 de Janeiro, existiu um restaurante chamado “O Bem-Amado”, em homenagem à telenovela, que esteve em atividade durante mais de dez anos. Há pouco tempo, e após uma remodelação, o mesmo estabelecimento transformou-se na “Confeitaria Bem Amado”. Também na Amadora, foi inaugurado um restaurante com o mesmo nome que ainda se encontra a laborar. Por outro lado, em Oeiras, abriu em 1984 uma cafetaria chamada “Sucupira”, que veio a fechar em 2006.

É oportuno ainda lembrar a rábula do humorístico Ponto e Vírgula, produzido em 1984, onde Ivone Silva e Linda Silva interpretavam duas velhas fanáticas por esta telenovela.

Foi entretanto lançado um LP com vários temas de O Bem-Amado, da autoria de Vinícius de Moraes e Toquinho.

PAIOL DE PÓLVORA – Toquinho e Vinícius
PATOTA DE IPANEMA – Maria Creusa
VEJA VOCÊ – Toquinho e Maria Creusa
COTIDIANO Nº 2 – Toquinho e Vinícius
O BEM AMADO – Coral Som Livre
MEU PAI OXALÁ – Toquinho e Vinícius
SE O AMOR QUISER VOLTAR – Maria Creusa
UM POUCO MAIS DE CONSIDERAÇÃO – Toquinho
QUEM ÉS? – Nora Ney
SE O AMOR QUISER VOLTAR – Orquestra Som Livre
NO COLO DA SERRA – Toquinho e Vinícius

Por seu turno, o Círculo de Leitores comercializou a peça Odorico, o Bem-Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte, também de Dias Gomes, que serviu de base ao enredo da telenovela.

Pela mesma altura, a Editora Difel colocou à venda O Bem-Amado – Sucupira, Ame-a ou Deixe-a, livro que contém a versão romanceada de vários dos episódios do seriado O Bem-Amado.

Previa-se que, à semelhança do que acontecera no Brasil, saísse o volume O Bem-Amado – Odorico na Cabeça, com novos episódios da série, mas este livro nunca chegou a ser lançado em Portugal.

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