Sassaricando

Exibição:
20/03/1989 – 05/12/1989 (RTP 1)

Número de capítulos:
184

Produção:
Rede Globo (1987/1988)

Novela de:
Sílvio de Abreu

Direção geral:
Cecil Thiré

Aparício Varela (Paulo Autran), em tempos, casou por interesse com a voluntariosa Teodora Abdala (Jandira Martini), abandonando Rebeca (Tônia Carrero), por quem nutria um amor sincero. Décadas depois, vemo-lo arrependido desse seu ato, devido ao génio difícil e despótico da esposa legítima. Por seu turno, Rebeca emprega-se na tecelagem da família Abdala como estilista, mas, devido a um mal-entendido, fica a pensar que Aparício é o empregado das limpezas. Sentindo-se vingada com o suposto destino de quem a preteriu, Rebeca demonstra ter-se transformado numa mulher prática, cujo principal objetivo é encontrar um milionário, e é nesse sentido que estabelece um acordo com duas amigas que conhece num SPA, Penélope (Eva Wilma) e Leonora (Irene Ravache): as três irão investir na reforma do apartamento de Rebeca com vista a atrair milionários e a primeira a conseguir agarrar um pagará a conta.

Penélope, Rebeca e Leonora

Entretanto, a filha de Aparício, Fedora (Cristina Pereira), é tão caprichosa como a mãe e desposa o oportunista Leonardo Raposo (Diogo Vilela), que ambiciona herdar toda a sua fortuna. É com o objetivo de a assassinar que Leonardo coloca uma bomba num avião em que Fedora deveria seguir, mas à última hora, Teodora decide substituí-la e acaba por falecer. Aparício tem então um momento de lucidez e descobre-se livre do jugo da megera. Resolve então sassaricar com as três amigas que querem um milionário, mantendo junto de Rebeca a farsa de que é um homem pobre e apresentando-se a Leonora como o excêntrico Sir Edward Whitehurst.

Leozinho e Fefê

À medida que Aparício se diverte, deixando o fiel Ricardo (Carlos Zara) na presidência das tecelagens, Leonardo apaixona-se verdadeiramente por Fedora, mas deixa-se desmascarar, sendo dado como morto depois de um acidente de viação. Ao mesmo tempo, Rebeca descobre que Aparício é o proprietário das Tecelagens Abdala e, magoada, parte para uma longa viagem.

Aparício e Rebeca

Ficamos então a saber que Leonardo não agia sozinho ao tentar dar o golpe em Fedora. Existe alguém por trás dele que pretende apoderar-se dos bens de Aparício Varela. Por outro lado, os problemas de Aparício aumentam quando Teodora regressa do outro mundo, em forma de espírito para atazanar a sua vida. Quem também regressa, mas de viagem, é Rebeca, agora casada com o milionário Bóris Zaidan (Lourival Pariz), e o seu comportamento revela-se muito estranho, a ponto de nem Rebeca nem Leonora conseguirem encetar uma conversa com ela.

Sassaricando conta também a história de Tancinha (Cláudia Raia), uma feirante analfabeta que se encontra dividida entre o seu namorado de infância, Apolo (Alexandre Frota), e o publicitário Beto (Marcos Frota), filho de Penélope. A decisão tão esperada é apenas tomada no último capítulo, quando Beto se dispõe a morar no bairro pobre onde ela vive com a família.

Tancinha e Beto

No que diz respeito a Aparício, ele acaba por encontrar a felicidade junto da verdadeira Rebeca. De facto, aquela que se vinha a apresentar como Rebeca não passava de uma impostora. Bóris é, na verdade, Achid Calux, um ex-noivo de Teodora, que passou uma vida inteira a maquinar a melhor forma de se vingar de Aparício. Para tanto, para além de raptar a verdadeira Rebeca, montou uma seita para onde atraiu algumas das pessoas mais próximas ao seu rival com o intuito de o destruir. Descoberto o plano, nada resta a Bóris senão fugir com a falsa Rebeca. Leonardo, então, consciente de ter sido um joguete nas mãos do bandido, faz explodir o avião particular onde os dois seguiam com as jóias roubadas por Brigitte (Aldine Müller), secretária particular de Aparício e peça fundamental na angariação de fundos para a seita criminosa.

Tal como Vereda TropicalSassaricando foi anunciada como a novela que traria de volta “a equipa que nos deu a Guerra dos Sexos“.

Também escrita por Sílvio de Abreu, Sassaricando foi uma novela repleta de humor, com algumas incursões num humor negro pouco vulgar numa telenovela, como o autor frisou antes da estreia no Brasil, em 1987. A cena em que Aparício (Paulo Autran) se abraça ao caixão de Teodora (Jandira Martini) num acesso de alegria, ou o comentário de Ariovaldo (Marco Miranda) sobre o facto do cadáver do motorista Josias caber perfeitamente numa caixinha de goiabada são exemplos dessa ousadia num terreno que, de facto, não era nem tem sido muito explorado. O mesmo pode ser dito da cena em que Leonardo (Diogo Vilela) e Nicodemus (Ney Sant’Anna) assassinam o candidato a motorista na mansão dos Abdala e enviam o cadáver de encomenda para a Nova Zelândia. O regresso do fantasma de Teodora e a sátira aos rituais de espiritismo presididos por Dinalda (Stella Freitas) também mereceram destaque.

Teodora e Aparício

A palavra sassaricar, até então praticamente desconhecida, passou a fazer parte do vocabulário português. A este propósito, o autor esclareceu que a grafia correta do verbo é saçaricar, mas que adaptou a palavra com vista a dar sorte à novela. Assim, Aparício Varela, quando se queria divertir, dizia que ia sassaricar com dois ss, porque com dois ss era muito mais divertido. Curiosamente, hoje o verbo aparece escrito das duas maneiras no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

A estreia de Sassaricando teve uma excelente audiência que se prolongou pelos meses que se seguiram e a novela é lembrada hoje justamente por essa popularidade.

Ao fim de dois meses de exibição, a TV Guia punha Sassaricando na senda de Roque Santeiro, justamente pelas audiências conquistadas ao fim de muito pouco tempo.

Entretanto, apesar de todo o êxito, a estreia de Sassaricando não foi anunciada com muita antecedência. Ricardina e Marta estava prevista para substituir Passerelle até duas semanas antes desta última telenovela chegar ao fim e, de um dia para o outro, a dez dias da estreia, a TV Guia comunicou que Sassaricando seria a próxima novela das 20:30.

Esta mudança repentina, e o facto de ter sido preterida uma novela portuguesa para o horário nobre, novela essa que estava pronta há já algum tempo, motivou uma certa má vontade por parte de alguns setores do meio artístico português. Nuno Teixeira, Florbela Queiroz e Curado Ribeiro foram algumas das pessoas que se manifestaram negativamente, como pôde ser lido em várias publicações da imprensa portuguesa.

Sempre crítica, Beatriz Costa fez comentários não muito elogiosos a esta produção no seu livro Eles e Eu.

[…] enquanto aquela palhaçada do Sassaricando é vista às oito da noite… Nada mais triste que ver Paulo Autran decadente, sem graça e tão envelhecido! Uma Tónia Carrero que parece neta do filho. Está tão esticada que qualquer dia aparece de barba no queixo…

A bem da verdade, Tônia Carrero submetera-se, efetivamente, a uma cirurgia plástica no decorrer da novela, no período em que Rebeca se encontra ausente (entre os capítulos 100 e 134). Sílvio de Abreu aproveitou este facto e fez com que quem regressasse da viagem fosse uma nova Rebeca – literalmente, já que Rebeca Zaidan era uma impostora que assumira a identidade da verdadeira Rebeca Rocha.

Tônia Carrero como Rebeca Rocha...
... e como Rebeca Zaidan

Algo semelhante acontecera já em Guerra dos Sexos, quando, após um período de ausência de Paulo Autran por motivo de doença, este entrou em cena com um novo personagem, Dominguinhos.

Noutra passagem do mesmo livro, Beatriz Costa demonstrou, claramente, não ter grande apreço por Paulo Autran.

Paulo Autran é um bom ator, mas um péssimo diplomata… Numa entrevista ao jornal O Dia de 13 de março de 1984 ele declarou que os artistas que o Brasil conhece são Amália e Solnado. Foi injusto com a grande atriz Maria Sampaio, várias vezes premiada com a medalha de ouro para a melhor atriz do ano, no Brasil, já se vê. E Villaret? E outros?

Pelo contrário, encontramos também personalidades que seguiam com atenção esta telenovela, como a pintora Maluda, o ator Varela Silva ou a atriz Suzana Borges.

Pouco tempo depois de a novela acabar, Paulo Autran esteve em Portugal em cartaz com a peça Quadrante e a sua permanência por estes lados fez correr bastante tinta. A sua reputação como ator mereceu a atenção do então Presidente da República, Mário Soares, e da primeira-dama, Maria de Jesus Barroso.

Inevitavelmente, surgiu a questão de Paulo Autran se recusar a voltar aos pequenos ecrãs, bem como a veracidade de uma eventual deceção com a sua última telenovela. Paulo Autran não quis entrar em polémicas, tendo declarado apenas que estava cansado e que o facto de Sassaricando não ter sido tão boa como Guerra dos Sexos talvez contribuísse para esse cansaço.

Mas se, por um lado, Sassaricando não foi tão elogiada nem tinha um apelo cinematográfico tão acentuado como Guerra dos Sexos, a verdade é que o sucesso das suas principais personagens ainda hoje é lembrado.

Em primeiro lugar, Aparício Varela, que se desdobrava em três pessoas alegadamente distintas para sassaricar. As cenas de humor em que ele incorporava Sir Edward Whitehurst, para conquistar Leonora Lammar, puderam ser (re)vistas nos spots de Campanha Eleitoral da UDP para as Eleições Europeias de 1989, editadas de uma forma que satirizava as palavras do então primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva.

Grande destaque de Sassaricando foi também a Tancinha, interpretada por Cláudia Raia. No decorrer da exibição, Marcos Frota deslocou-se a Portugal, com a peça A Cerimónia do Adeus, de Simone de Beauvoir, e esteve presente no Às Dez para escolher, entre as Tancinhas protagonizadas por jovens anónimas, aquela que lhe agradava mais. O êxito desse momento foi tal, que a façanha repetiu-se em casas noturnas onde o ator esteve presente.

Jorge Lafond, o Bob Bacall, também andou por terras portuguesas, comprovando o sucesso da sua personagem, tendo sido entrevistado no Telejornal da RTP 1.

Outro nome de grande peso em Sassaricando é Tônia Carrero, a Rebeca Rocha, há muito admirada pelo público português. Dois anos depois, a atriz declarou ter recebido muitas mensagens carinhosas de Portugal, destacando a de uma senhora que não se identificava e apenas lhe escrevia para dizer que a considerava a melhor atriz do mundo.

A este propósito, e durante a exibição de Sassaricando, o cantor António Antunes, que participara em 1988 no Prémio Nacional de Música da Figueira da Foz, mudou o seu nome artístico, de António Antunes para Tony Carreira, e a sua trajetória mudou radicalmente, a ponto de se tornar um dos maiores nomes da música romântica sentimental.

Quem também ficou para a galeria das personagens memoráveis foi a genial Fedora Abdala (Cristina Pereira): juntamente com o seu cônjuge, o temível Leonardo Raposo (Diogo Vilela), proporcionou alguns dos melhores momentos desta produção.

A música que embalava o romance dos dois, Fatamorgana, foi um grande sucesso. Roberto Leal gravou inclusive uma versão em português do mesmo tema, cujo vídeo pode ser visto no YouTube. Mas essa não foi a única reprodução da música feita no nosso país.

Sassaricando apresentou pela primeira vez em Portugal a já consagrada Irene Ravache (que apenas aparecera numa pequena participação em Guerra dos Sexos), Maria Alice Vergueiro, Lolita Rodrigues, Stella Freitas e Jandira Martini, tendo trazido de volta alguns atores de renome que não eram vistos há alguns anos por aqui, como Eva Wilma e Carlos Zara.

A este propósito, a TV Guia entrevistou Stella Freitas e dedicou à intérprete de Dinalda um artigo de duas páginas. Porém, houve um lapso e a atriz foi identificada como Stella Garcia. Num dos números seguintes, foi apresentado um pedido de desculpas.

A mesma publicação referiu-se a Laerte Morrone, intérprete de Aprígio, como Laerte Monrone.

Outra gaffe a assinalar ocorreu no programa Pela Manhã de 30/11/1993, dedicado ao tema “Telenovelas”. Ao anunciar a execução do tema Sassaricando pela banda residente do programa, a apresentadora, Felipa Marques de Sousa, colmatou com um “Quem não se lembra do Sassá Mutema?”, personagem que não tem qualquer ligação com Sassaricando.

Felipa Marques de Sousa

Já perto do fim, a revista Nova Gente, para além de revelar o final que iríamos ver, publicou um desfecho alternativo, onde a história de quase todas as personagens acabava de um modo completamente diferente.

– Isabel, em vez de passar o resto dos seus dias num manicómio, morre ao descobrirem que ela é o Leopardo, o famoso ladrão de jóias.

– A falsa Rebeca entra em contacto com Leonardo Raposo para fugir, uma vez que Bóris estaria realmente morto. Leozinho resolve descartar o amor por Fefê, revelando que tudo não passou de um golpe. Indignada, Fedora resolve contratar Nicodemus para sabotar o avião, provocando a morte de Leonardo e da falsa Rebeca.

– Fefê transforma-se em odalisca e faz de um sultão o seu novo amor, enquanto o espírito de Leonardo assiste a tudo sem poder fazer nada.

– Tancinha termina ao lado de Apolo, e seria Beto a apaixonar-se pela atriz Cláudia Raia.

– Camila continua com a proposta da Interpol para se tornar agente internacional, só que agora forma uma dupla com Guel e opta por ser feliz ao seu lado.

– Tadeu, cansado de esperar por Penélope, resolve ir para Nova Iorque trabalhar numa agência americana.

– No iate, ao lado de Rebeca e Aparício, Penélope e Leonora, sem os seus “príncipes”, concluem que têm tudo para ser felizes através da forte amizade que as une.

– A última cena criada por Sílvio de Abreu é igual nas duas versões: reúne todo o elenco e, sob a música-tema da novela, os atores descem uma escadaria para agradecer os aplausos e o carinho do público.

A revista Eles e Elas publicou uma reportagem especial sobre o final de Sassaricando, que reuniu depoimentos de Sílvio de Abreu sobre este seu trabalho. O autor confessou que, apesar do sucesso, não foi muito bem sucedido na escolha do tema para a trama central. Com efeito, colocar três mulheres dispostas a fazer tudo para agarrar um milionário poderia resultar perfeitamente num filme de 100 minutos (Como se conquista um milionário, com Marilyn Monroe, Lauren Bacall e Betty Grable), mas jamais sustentaria uma produção de 180 capítulos. Assim, a meio da história ele reconheceu que depois muitas as peripécias e aventuras com vista a conseguir o seu objetivo, a história tinha de seguir outro rumo, pois Rebeca, Penélope e Leonora ou arranjariam logo o milionário ou acabariam por se prostituir. Foi assim que surgiu como solução a explosão da cobertura onde viviam as três.

E, de facto, o telespectador mais atento notará que, na semana em que Sassaricando chega a meio, a trama muda completamente e ganha outro fôlego: as três amigas desistem dos milionários e decidem montar uma escola, Dinalda revela que é médium, Leonardo e Nicodemus são desmascarados e dados como mortos, começa a pairar a suspeita de que há um motivo oculto para o desaparecimento de Ricardo de Pádua e um misterioso ladrão de jóias, o Leopardo, entra em ação.

Daí em diante, o objetivo de Penélope e Leonora passa a ser a escola Femina, Rebeca parte para uma viagem a Milão, Aparício passa a ser atormentado pelo espírito de Teodora, recorrendo à ajuda preciosa de mãe Dinalda, adensa-se o mistério sobre o terrível segredo dos Abdala e a sua relação com o desaparecimento de Ricardo e, ao mesmo tempo, apercebemo-nos de que Guel é instigado por alguém para se infiltrar na quadrilha que funciona dentro da boîte.

No terceiro mês de exibição, foi lançado um LP com algumas dos temas da novela.

Apareceu à venda uma banda sonora pirata da Vidisco, com capa e contra-capa alusivas à abertura da telenovela. Curiosamente, esta coletânea continha apenas três músicas adaptadas da banda sonora original (SassaricandoOuro Lambadas III). Os restantes temas eram “inéditos”, com títulos tão sugestivos como Pinga de Mim ou De Joelhos.

Uma segunda edição, também da Vidisco, incluiu outros temas da novela, mas manteve alguns extras da edição anterior. O desenho da capa, apresentando Tancinha em versão avantajada, foi inspirado nesta foto de Cláudia Raia:

A mesma editora lançou ainda uma cassete com temas internacionais.

No álbum De Mão em Mão, de 1989, os Ministars cantaram uma adaptação do tema de abertura da novela, intitulado Telenovelando.

Foram também comercializadas algumas coleções de calendários alusivos a Sassaricando.

Maria Alice Vergueiro, intérprete da “jararaca” Lucrécia, deu uma entrevista ao Correio da Manhã, onde confessou que, em tempos, tivera um “sassarico” com um português.

Apesar de não ter aparecido em mais novelas, depois de Sassaricando – excetuando-se uma pequena participação em Bebé a Bordo – a atriz tornou-se célebre em 2006, depois de ter participado numa curta-metragem intitulada Tapa na Pantera, onde interpretava uma senhora adepta do cannabis.

Em Camarate, abriu o restaurante O Sassarico, que ainda se encontra hoje a laborar.

Sassaricando veio a ser resposta de abril a dezembro de 1998, num canal que resultou de uma parceria entre a Rede Globo e a TV Cabo, o GNT. Tratou-se por sinal, da primeira telenovela a ir ao ar neste canal, hoje já extinto.

Tônia Carrero e Paulo Autran, amigos de longa data, voltaram a contracenar juntos numa pequena participação na minissérie Um Só Coração, em 2004.

Tônia Carrero e Paulo Autran em 2006

Em 2016, a TV Globo produziu uma “releitura” de Sassaricando, intitulada Haja Coração. Em Portugal, na SIC, a telenovela foi exibida com o título de Sassaricando, tendo Haja Coração como subtítulo.

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