Tieta

Exibição:
29/10/1990 – 16/05/1991 (RTP 1)

Número de capítulos:
140

Produção:
Rede Globo (1989/1990)

Novela de:
Aguinaldo Silva
Ana Maria Moretzsohn
Ricardo Linhares

Direção geral:
Paulo Ubiratan

Algures num ponto remoto do estado da Bahia, fica a cidade de Santana do Agreste, onde a eletricidade funciona através de um gerador que se desliga às 10 da noite. Neste contexto, qualquer pequena ocorrência transforma-se num grande acontecimento, perdurando na memória dos seus habitantes, que não têm outro divertimento para passar o tempo. É o caso da história de Tieta (Betty Faria), expulsa de casa e da cidade pelo próprio pai, o velho Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos), devido ao seu comportamento libertino e à maldade da irmã, a recalcada Perpétua (Joana Fomm). Não obstante a violência de tal ato, a verdade é que o tempo atenuou os rancores, principalmente porque Tieta enriqueceu em São Paulo, ao contrair matrimónio com o comendador Felipe Cantarelli, mandando mensalmente um cheque chorudo à ordem da família que a destratou.

Tieta

Assim, quando Tieta fica viúva e volta à sua terra natal, é recebida com todas as homenagens, não obstante cultivar um desejo de vingança. Com a chegada, o quotidiano insulso dos seus conterrâneos ganha um novo fôlego, a começar pelo facto de Leonora (Lídia Brondi), enteada da protagonista, se envolver emocionalmente com Ascânio (Reginaldo Faria), o vice-prefeito da cidade.

Contudo, é o romance de Tieta com Ricardo (Cássio Gabus Mendes), filho de Perpétua, que desencadeia um grande alvoroço na família. Perpétua, que sempre invejou a irmã, deseja que ela beneficie os seus dois filhos, mas ao descobrir do affair de Tieta com o seu primogénito, exige que ela o torne seu herdeiro.

Entretanto, enquanto a influência de Tieta é atestada pela chegada da energia elétrica sem interrupções, uma onda de progresso agita esta pequena cidade: a Brastânio, uma fábrica suspeita, pretende instalar-se nas imediações, mais exatamente na praia paradisíaca de Mangue Seco. Em pouco tempo, todavia, ficamos a saber que se trata de uma indústria muito poluente, arquitetada pelo perigoso Arturzinho (Marcos Paulo), filho do atroz Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), cujo objetivo é destruir a cidade.

Arturzinho

Ciente da importância de Tieta, Arturzinho manda investigar a sua vida privada para neutralizá-la através de chantagem, de maneira a poder introduzir a sua fábrica sem qualquer obstáculo. E com efeito, acaba por descobrir que a ilustre matrona não é viúva de nenhum comendador, tendo enriquecido primeiro como prostituta e depois como dona de um bordel de luxo. Lançando mão de diversos ardis, Arturzinho vai exercendo o seu poder sobre as outras personagens e o seu fim não será nada bom: ele acaba sendo assassinado pelo próprio pai, que enlouquece de seguida, pagando por todos os seus pecados.

Por seu turno, Perpétua descobre quem é na verdade Tieta e decide revelar a sua verdadeira profissão a toda a gente, mas ninguém acredita nas suas palavras, até porque o dossier com as provas coligidas por Arturzinho é destruído por uma vela acendida em homenagem da padroeira Sant’Ana. No confronto final, e em plena igreja, Tieta vinga-se de Perpétua e arranca-lhe a peruca, revelando a todos que a irmã sempre foi careca. Envergonhada com a humilhação, Perpétua vira as costas e desaparece da cidade.

Tieta e Perpétua

Inspirada no conhecido romance de Jorge Amado, Tieta é uma das novelas mais lembradas do público português, mercê das personagens criadas pelo autor baiano que Aguinaldo Silva conduziu ao longo de um folhetim recheado de humor, drama e mistério.

Sendo uma produção baseada numa obra literária conhecida, são inevitáveis as comparações, bem como as mudanças operadas no roteiro para garantir o sucesso de uma telenovela dirigida a um público muito vasto.

Assim, várias personagens do livro, algumas até importantes, desapareceram, como o vate Barbosinha, Fidélio, Seixas, Dona Edna ou o seu Manuel Português.

Outras foram acrescentadas, como é o caso do comerciante Gladstone (Paulo José) ou da misteriosa Mulher de Branco.

Outras ainda ganharam uma função diversa. Basta lembrarmo-nos de que o Dr. Mirko Stefano (Marcos Paulo), presidente do complexo industrial designado Brastânio, na novela é filho do Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), por quem nutre um ódio de morte.

O coronel Artur da Tapitanga, por seu turno, lembra muito o Capitão Justiniano Duarte da Rosa do livro Tereza Batista Cansada da Guerra (também de Jorge Amado), que mantinha um harém de meninas para seu serviço exclusivo.

Imaculada, que no livro é uma aprendiz de prostituta, na novela transforma-se numa virgem sonhadora, vendida pelos pais ao dito Coronel, e que luta para sair do cativeiro.

Curioso é também o facto de alguns diálogos serem colocados na boca de personagens diferentes. No romance, numa ocasião em que Ricardo está dividido entre o sacerdócio e o amor de Tieta, consulta um clérigo que não é o padre Mariano, pedindo-lhe conselhos acerca das suas dúvidas. Essa personagem, pouco destacada, fala-lhe dos seus próprios erros e da necessidade dos mesmos para o desenvolvimento da sua humanização como sacerdote, através de palavras que o pároco de Santana do Agreste jamais seria capaz de lhe dirigir. Na novela, contudo, é o Padre Mariano quem as diz.

O marido de Elisa (Tássia Camargo), cujo nome original é Astério, chama-se Timóteo D’Alembert (Paulo Betti) na telenovela. Certamente esta foi a forma encontrada para homenagear uma personagem invisível do romance, a quem o narrador se refere ao longo das mais de 500 páginas que o compõem: trata-se de Fúlvio D’Alembert, o amigo e crítico a quem, alegadamente, o autor vai enviando os capítulos do livro e que se pronuncia quase sempre sob a forma de uma censura expressa. Assim, paralelamente ao desenrolar da trama, são descritas as incongruências apontadas por Fúlvio D’Alembert, umas vezes escandalizado, outras vezes pugnando pela inverosimilhança, bem como as respostas em que Jorge Amado corrige ou justifica as faltas cometidas.

Timóteo D'Alembert (Paulo Betti)

Por conseguinte, se a novela parte do romance Tieta do Agreste, com o passar dos capítulos ganha autonomia, tomando o autor liberdade para inserir entrechos inéditos. A caixa branca de Perpétua ou a devoção cega das empregadas domésticas pelo Pastor da Assembleia de Cristo Rei são alguns exemplos.

Perpétua (Joana Fomm) e a caixa branca
Pastor Hilário (Jorge Dória)

Aguinaldo Silva, bem como os demais autores, tinham a perfeita consciência de terem nas mãos uma novela para o grande público e da necessidade de amenizar alguns diálogos e passagens, suscetíveis de não agradarem aos telespectadores mais conservadores. Por exemplo, afirmações atinentes à idade ideal para se perder a virgindade, evento que no parecer das personagens deveria ocorrer pelos treze anos, foram suprimidas.

Ainda assim, quando Tieta começou a ser exibida em Portugal, a linguagem levemente picante, bem como o envolvimento amoroso da protagonista com o sobrinho, escandalizou o público mais retrógrado, que começou a exigir a mudança para um horário mais tardio.

Tieta e o seu "padreco"

Todavia, quando em fevereiro de 1991 a RTP 2 transmitiu o filme O Império dos Sentidos, as reclamações contra Tieta praticamente cessaram. A obra de Nagisa Ōshima ganhou um protagonismo inusitado, com o Arcebispo de Braga completamente chocado, tecendo largas críticas às preferências cinematográficas de quem dirigia a programação da televisão portuguesa, e a ousadia da telenovela, comparando com o filme, ficou equiparada a uma brincadeira que não devia ser levada tão a sério. Este acontecimento é comentado por Joana Fomm, a intérprete de Perpétua, numa entrevista concedida ao jornal Expresso.

A identidade da Mulher de Branco constituía o principal segredo da novela. Numa época em que não existia internet, não era tão custoso manter o mistério, ainda que a novela fosse exibida com vários meses de atraso em relação ao Brasil.

Em janeiro de 1991, a TV Guia publicou um artigo dedicado à Mulher de Branco, onde nem sequer era citado o nome de Laura (Cláudia Alencar), a personagem que a incorporava.

Contudo, foi a própria TV Guia que, cerca de um mês depois, acabou por revelar a identidade do misterioso vulto, quando ainda faltavam alguns meses para o final da novela.

Ainda assim, a TV 7 Dias lançou um concurso em que oferecia uma viagem a quem acertasse na identidade da Mulher de Branco.

Betty Faria esteve em Portugal enquanto a telenovela estava no ar e pôde comprovar a popularidade da sua personagem.

Coincidindo esta visita com a passagem de ano de 1990 para 1991, Betty marcou presença no réveillon da discoteca Pedra do Couto, em Santo Tirso.

Foi ainda por esta ocasião que a atriz esteve presente no programa Ponto de Encontro de 04/01/1991, onde foi entrevistada por Maria João Metello.

Betty Faria conversa com o Dr. Domingos Gomes

Foram, à época, colocados à venda dois discos com os temas musicais de Tieta.

Paralelamente, circulavam no mercado diversas imitações da banda sonora.

O jornal Se7e, que nesta época já pouco destaque dava à televisão, dedicou no entanto um grande artigo ao final da novela, com especial ênfase na abertura, que deixaria algumas saudades…

A propósito, Isadora Ribeiro, a modelo da abertura, deu uma entrevista à TV Guia, na qual mostrou o seu desagrado com o facto de terem plagiado a capa da primeira trilha sonora do Brasil, na qual aparecia desnuda.

Estou muito chateada. Fizeram em Portugal um disco com a banda sonora de Tieta, só que utilizaram outras vozes para dobrarem os cantores verdadeiros, e tentaram fazer uma capa igual, só que com um modelo português. Foi até infantil… Foi muito feio terem plagiado desse jeito, sem respeito pelos cantores brasileiros, nem pela modelo que fez a abertura da novela e a capa do disco no Brasil. Se tivesse acontecido no Brasil, não ia surpreender ninguém. Mas vindo de um país como Portugal… É um absurdo. Foi uma deslealdade. Poderiam ter-me chamado para fazer esse trabalho, tal como os intérpretes, que, afinal de contas, são donos das músicas. É uma pena que isso tenha acontecido.

As vendas do romance Tieta do Agreste dispararam e, para as novas edições, foi idealizada uma nova capa, alusiva à telenovela, onde víamos uma foto de Cláudia Ohana e um desenho de Betty Faria, as duas intérpretes de Tieta.

A destacar, ainda, o lançamento de uma caderneta de cromos, pela Europer.

Uma nova edição do livro foi lançada pela editora Dom Quixote no início dos anos 2000, trazendo na capa o logotipo da telenovela.

Tieta voltou a ser apresentada em 1995, na SIC, obtendo elevados índices de audiência no horário de fim de tarde. Durante o verão, foram exibidos dois capítulos por dia.

Para promover a estreia, a SIC dizia ter feito um inquérito para apurar a preferência do público sobre a novela a repor, tendo Tieta atingido os 80% de respostas.

Numa dessas chamadas, o nome da atriz Yoná Magalhães foi dito como Yoana Magalhães.

Em 2001, regressou no canal GNT Portugal, já extinto, novamente com grande sucesso.

No ano de 1996, o cineasta Cacá Diegues realizou um filme baseado no mesmo livro. Sônia Braga, Marília Pêra e Chico Anysio desempenharam respetivamente os papéis de Tieta, Perpétua e José Esteves. O videoclip da música composta especialmente para o filme, por Caetano Veloso, foi uma das atrações da estreia do Canal Brasil em Portugal, no ano de 1998.

Em 2015, a revista Sábado publicou uma reportagem sobre telenovelas, convidando figuras públicas a representar alguns dos personagens mais marcantes. Coube a Bárbara Guimarães encarnar Tieta, recriando a capa do segundo volume da banda sonora.

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